sexta-feira, 15 de julho de 2011

A secretária do IRRA (capítulo 2 e FIM)



A estonteante, feérica e inesquecível noite anterior deixou bem vincadas as suas marcas na horrivelmente  macabra organização do IRRA. Al Trokas saiu de casa absolutamente desvairado e alucinado com os incontáveis  desencontros nocturnos e esperou na esplanada do Lelo, varrida por uma nortada de final de tarde típica da zona nos meses de Verão que levantava nuvens de pó e lixarada de gente selvagem, descuidada e alérgica aos caixotes do lixo municipais --  uma negociata porca e suja de milhões aos quais os autarcas não resistem em meter as patas na esterqueira do dinheiro pegajoso -- pelos vadios companheiros, sr. Santos e sr. Costa, os malandros  incontactáveis quando Al Trokas lhes lançou um S.O.S. dramático devido à angústia da  falta de cigarros. 
O inspirador do sinistro e obscuro IRRA tamborilava com os dedos na mesa, o que não augurava nada de bom. Ainda fumava os restos do "puro" cubano que sacara das beiças do Lelo nessa manhã de má memória. O gerente do café-restaurante "Dentada" bufava as preocupações como um touro prestes a investir no capote de um matador inexperiente nas festas de Barrancos, sentado, numa cadeira afastada, praguejando em surdina contra a falta de comensais para os seus elaborados pratos do dia, sopa de cenoura mais aguada que um dia de chuva tropical desde que o "El Niño" virou o clima do avesso, costeletas de borrego tão minúsculas que se duvidava se não seriam do caniche desaparecido da Dª Custódia, uma octogenária que em tempos (muito) idos posava nua para supostos pintores ávidos de "algo" mais físico do seu, nessa época, belo corpo do que umas meras pincelas para reproduzi-la na tela do desejo, e ainda, no menu, douradas cozidas com um aspecto escanzelado e uma cor amarelada, sinais exteriores de putrefacção que auguravam umas idas apressadas ao WC horas depois de serem ingeridas e pagas a preço de ouro por algum esfomeado disposto a tudo e a todos os riscos. 
"Não queres levar nada hoje, Trokas ?", gemeu entredentes o desesperado empresário da restauração, depois de correr do seu estabelecimento, com berros e ameaças de umas umas valentes chapadas, quatro criancinhas  suadas,  sedentas, extenuadas  de andarem a jogar à bola no pátio adjacente ao Lote 69 que lhe pediram timidamente um copo de água. 
"Não quero nada, aldrabilhas -- resmungou-lhe Al Trokas -- Em vez de estares em casa a aquecer os pés à tua mulher quando te liguei a pedir cigarros andavas na borga no bar de streap-tease com a Filomena, a tipa africana do Lote 22, que lá trabalha a mostrar o coiro para fazer arregalar os olhos aos gulosos como tu e depois queixas-te da crise,  mas não há crise para andares a pagares-lhe garrafas de champanhe antes de te ires enrolar com ela no motel chungoso da Costa da Caparica". 
"Ó Trokas -- choramingou ele ao coçar os poucos cabelos sobreviventes  às stressantes crises de  falta de notas que se vejam e contem na caixa registadora -- Se eu soubesse que estavas aflito com falta de cigarros até te tinha trazido um pacote em mão à tua casa. Tenho ali um peixinho fresco que podes levar para o jantar e como andas a fazer dieta até te faz bem". 
"Lelo, fazer dieta é comer pouco e bem, não é chupar as espinhas daquele peixe rasca, raquítico e malcheiroso que tens para ali congelado desde o Verão passado", despachou-o Al Trokas, mai-lo seu menu de qualidade altamente suspeita. 
"Bom dia", saudaram o sr. Santos e o sr. Costa quando chegaram à esplanada despida de clientes, excepto o lugar onde se acoitava o amigo da velha dupla de perigosos e activos membros anti-sistema político e não só...
"Vão-se quilhar", resmungou Al Trokas para os dois moinantes que tinham passado a noite no deboche com umas assanhadas lascivas da pior espécie e não atenderam as chamadas angustiadas do insurgente descontrolado com a falta de nicotina. 
"Alteraste a senha e a contra-senha, Trokas? E não nos avisaste porquê?",  inquiriu o sr. Santos, deixando-se cair com estrondo na cadeira, ainda exausto da ginástica dos prazeres com a irrequieta companheira da noite. 
"Mudei a senha e a contra-senha? Onde foste buscar essa baboseira, velho traste traidor que te estiveste a cagar para mim ontem quando te procurei para me arranjares um cigarro?", ripostou Al Trokas, ainda inconformado com o silêncio dos amigos às suas preces por um maço de qualquer coisa que deitasse fumo. 
"Então, dissemos-te "bom dia" (a senha do IRRA para os distraídos desta saga heroicamente revolucionária) e tu respondeste "Vão-se quilhar"...Isso é uma nova  contra-senha?", recordou o sr. Costa. 
"É a realíssima p...", interrompeu a frase eventualmente chocante aos ouvidos mais sensíveis e aos leitores mais púdicos quando uma mão lhe tocou no ombro. "Olá, meu querido, vim fazer-te uma surpresa hoje, vamos jantar ali ao nosso sítio do costume? Estou com saudades do pão torrado com alho e da lasanha à luz da vela contigo". E deu um par de beijos sonoros nas faces cobertas de barba por fazer do Al Trokas. 
"Desculpa, Mariana, não estava à tua espera e hoje estou aqui a tratar de um assunto importante com estes dois marmanjos que já conheces", justificou-se numa voz irreconhecível e subitamente adocicada do normalmente áspero terrorista. A Mariana, no entanto, era uma pessoa muito especial para Al Trokas, embora o primeiro contacto não augurasse qualquer relação de amizade mais ou menos colorida. 
"Vá lá, tratem dos vossos assuntos esquisitos, que eu espero", conformou-se a Mariana com uma caricia no cabelo despenteado do excêntrico amigo. 
"Meu caros -- informou Al Trokas -- o IRRA está a expandir-se como nunca pensei que fosse possível e já temos um apoiante no Egipto que nos segue no nosso site. Não acredito que seja o Manuel José porque ele mal tem tempo para os treinos da equipa dele, o Al-não-sei-quantos. Portanto, só pode ser um daqueles tipos que esteve na praça El-uma-gaita-qualquer até o ditador  do Mubarak se pisgar para a estância do Mar Vermelho e agora votarem num outro mafioso explorador de múmias até se chatearem com o ar do gajo e voltarem novamente à praça do bota-abaixo. Dei por isso há bocado quando estava na net a pesquisar as revoluções mundiais e apareceu-me uma maluca a convidar-me para uma sessão de sexo virtual e mandei-a ir esfregar-se no cavalo do D. José no Terreiro do Paço. Decidi que precisamos de uma secretária para os assuntos administrativos". 
"Ó Trokas, para arranjarmos uma secretária vamos ali ao IKEA...", interveio o sr. Santos. "Ou à Moviflor que também são baratas", acrescentou o sr. Costa. 
"Não é dessas, seus  desgovernados mentais -- irritou-se Al Trokas -- é de uma mulher, uma senhora, uma menina, uma empregada para tratar do expediente. Nós somos operacionais, não podemos perder tempo com assuntos mesquinhos de tratar de papelada, atender telefones, consultar a agenda para verificar datas livres para manifestações, insubordinações, atentados e essas cagadas que um grupo de brigadistas revolucionários como nós deve fazer."
"Uma mulher secretária, não é mal pensado...", sussurrou o sr. Santos. "Pois não, interveio o sr. Costa -- não podemos dispersar-mo-nos com ninharias e limpezas, elas são melhores a mexer nas esfregonas e a escolher os detergentes". 
Sempre prático, Al Trokas pegou no "Jornal de Notícias", procurou as páginas de empregos sem dar muito trabalho e foi ditando: "Procuro trabalho compatível com a minha experiência profissional de administrativa. Possuo 12º Ano, Carta Condução, Disponibilidade total"
"Disponibilidade total para quê?" -- perguntou o sr. Santos, obviamente com segundas intenções. "Deve ser para todo o serviço -- chalaceou o sr.Costa -- é pena não ter fotografia para ver se era boa para os serões".
"Isto é um assunto sério -- impôs-se Al Trokas enquanto tomava nota despercebidamente do número de telemóvel de uma dupla de exuberantes brasileiras que ofereciam os seus doces sabores tropicais aos audazes que as enfrentassem num ardoroso jogo de almofadas -- Trabalho é trabalho, revolução é revolução, colchão é colchão, gajas são...!"
A porta do Lote 69 abriu e fechou-se com um violento estrondo. Um vulto de fato-macaco salpicado de branco da cabeça aos ténis corria aos saltinhos na direcção de Al Trokas e os amigos, esbracejando histericamente como uma virgem apalpada por um marujo no Cais do Sodré quando se enganou na porta e em vez de entrar na santíssima igreja, onde  ia confessar ao padre de serviço o terrível pecado de ter espreitado pelo buraco da fechadura o primo a tomar banho e sentiu pela primeira vez uma estranha sensação nunca antes experimentada de comichão interior na ponta dos dedos sob as unhas das mãos trémulas ocasionado pelo choque psico-pessoal de descobrir que o primo faz xi-xi de pé, entrou de rompante pelo infernal bar-dancing  e mais-qualquer-coisa Jamaica cheios de fiéis crentes em deusas ou deuses que os levem ao paraíso dos suspiros, onde uma mão crespa da água do mar lhe entrou pelo decote generoso da camisola em V e andou às voltas sob a roupa leve  da moçoila até sair satisfeita pelos achados encontrados.
"Não é o tipo que anda a pintar a nossa sede lá no 10º andar?", perguntou o sr. Santos, fixando o olhar na fantasmagórica mancha humana que se aproximava rapidamente da mesa dos intratáveis elementos do retumbante IRRA. 
"É ele -- confirmou o sr. Costa -- O gajo trabalha depressa...Já pintou aquilo tudo em menos de meia hora?" 
O vulto esbranquiçado e gaguejando palavras soltas e incompreensíveis  tal qual  Dionísio, o deus romano do vinho que ressuscitou da morte (alcoólica?), passou em plena aceleração pela esplanada do Lelo e desapareceu em movimento uniformemente apressado avenida abaixo sem explicar aos contratantes do IRRA o motivo desta insólita atitude e tamanha e rápida fugida, deixando para trás um rastos de pincéis, rolos, trinchas e pingos de tinta. É certo, como descrevi no capítulo "A Sede do Irra" desta saga, que o 10º andar tem a fama de ser uma casa onde se desenrolam fenómenos sobrenaturais e também foi graças as essas assombrosas assombrações  que Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa garantiram o espaço vital para quartel-general da organização que faz estarrecer os líderes mundiais responsáveis pela crise globalizada. 
Mas, desta feita, o terror que se apossou do pintor contratado pelos serviços administrativos provisórios do IRRA foi causado por um motivo muito mais terreno, sem intervenções de espíritos malignos ou almas perdidas dadas à folia. O autor da fuga desesperada do sr. Ramalho, veterano de muitas pinceladas em paredes e em donas das ditas cujas, foi o "Átila", uma gatarrão que o sr. Santos adoptou junto a um caixote do lixo na Praia das Maçãs e levou para casa, onde cardumes sucessivos de lombos de pescada congelada, o desenvolveram até atingir um porte considerável e um peso de 9,858 kgs de saudável e ágil musculatura felina. O bichano, uma cópia fiel do "Silvestre" da Warner Brothers, preto com o peito, as pontas das patas e da cauda brancas, tinha uma vincada personalidade vincada de "amor" ou "ódio", sem meio termos nas suas relações com os humanos ou os outros animais, excepto a "Bomboca", a insinuante e ciosa gata da vizinha a condizer do rés-do-chão. Quando o sr. Ramalho entrou no panorâmico apartamento onde se organizam algumas das mais violentas acções de insurreição a que o Mundo jamais assistiu, o "Átila" emboscou-se com a habilidade de um temível e sanguinário guerrilheiro experimentado em destroçar invasores das forças ocupantes do neo-liberalismo selvagem que impera neste mundo materialista, esperou que o pintor subisse uns degraus no escadote para dar uma demão no tecto branco imaculado da sede do IRRA e num salto digno de um campeão do mundo animal aterrou com as garras no pescoço do operário das pinceladas, afinfou-lhe os caninos afiados como agulhas nos queixos, desfez-lhe a camisa em tiras com rapidíssimas e  dilacerantes arranhadelas com as patas traseiras, enquanto se segurava com as unhas cravadas na face do infeliz, que malhou com os costados no chão de uma altura considerável, urrando de dor e com o vermelho do sangue a escorre-lhe sobre a tinta alva entornada da lata da Robialac que lhe tombou em cheio sobre o peito cabeludo. 
Atormentado e combalido pelo ataque relâmpago do "Átila", o sr. Ramalho reuniu as últimas forças para se escapulir da fera sanguinárias que o perseguia e disparou pelas escadas abaixo, ultrapassando cada lanço de escada de um salto, sem nunca largar o pincel, embatendo e derrubando a dona da fracção do 4ºA, Victoria, uma romena eslava deslumbrante que "atacava" (o pessoal da noite sabe o significado do termo) no Hotel Intercontinental em Bucareste que se mudara há meia dúzia de meses para o Lote 69 mas mal se via a circular por ali até que foi despedida de recepcionista de um resort de luxo no Algarve por ter enfiado um par de latadas nas ventas de um atrevido pato-bravo de Corroios que lhe tirou as medidas aos proeminentes seios com as patas grossas de ex-pedreiro e ladrilhador na já longínqua juventude só superados em forma e perfeição pelas ancas em forma de rotunda do Marquês de Pombal à hora de "ponta", saindo do prédio como um F-16 da NATO perseguido por um míssel terra-ar das tropas de Kadhafi, passando com um raio de luz pela esplanada, onde, como escrevi há não sei quantas linhas atrás, Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa procuravam uma secretária para o abominável movimento ultra fundamentalista do IRRA. 
Antes que os três anarco-nacionalistas se levantassem para ir investigar o motivo daquela reacção do sr. Ramalho, chegou a Victoria, ainda combalida pela queda provocada pelo fugitivo fora de si quando regava as plantas nos vasos junto à sua porta. Al Trokas convidou a maravilhosa deusa romena a sentar-se para recuperar, ao que ela acedeu, sentando-se junto deles. Cruzou as pernas longas e harmoniosas como a Ponte Vasco da Gama e puxou a cabeça para trás fazendo esvoaçar os longos cabelos castanhos claros e fechando os grandes olhos rasgados cor de mel suspirou de tal maneira fundo que os seios perfeitos e redondos como as meloas do mini-mercado  do sr. Marques, nas traseiras do Lote 69, ameaçaram libertar-se da camisa justa e aberta até ao quarto botão para o ar livre da natureza, o que deixou Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa de respiração suspensa. Não saíram...Para desilusão do trio de guerrilheiros anti-sistema. 
Victoria bebeu em pequenos tragos um vodka com laranja e gelo e depressa se recompôs do vendaval que a derrubara. 
"Obrigado, vizinhos -- agradeceu num português absolutamente correcto que brotou dos seus lábios grossos e desenhados na perfeição no rosto triangular --que dia terrível, fui despedida e agora levei uma pancada".
"Despedida?" -- inquiriu Al Trokas. Ela relatou a sua triste história aos capangas insubordinados do IRRA. 
"O que é que a menina sabe fazer?", quis saber o sr. Santos, que não conseguia desviar os olhos daquele vale profundo formado entre os seios fartos de Victoria. "Sou formada em Línguas (mortas e vivas...especialmente estas), História e Administração Política pela Universidade de Bucareste", respondeu a vistosa romena, omitindo como conseguira 20 valores em todas as disciplinas, teses e doutoramentos nas provas orais e sobretudo pela via oral a alguns examinadores mais exigentes nas traseiras da instituição no banco dos Dacia e dos Trabant nos tempos do ocaso do ditador Ceausescu. 
"Não estaria disposta a trabalhar para nós numa organização anti-política já que é formada em política?", convidou Al Trokas, ansioso por uma resposta positiva. 
"Onde?", quis saber a elegante mulher do Leste. "É no nosso Lote 69, lá em cima no 10º andar, nunca lá foi espreitar?", interveio o sr. Costa, mirando pela milésima vez as pernas esculturais da espantosa mulher. 
"Aceito -- disse ela com uma voz irresistivelmente rouca -- Victoria Rabanova ao vosso serviço". 
O IRRA tinha, finalmente, uma secretária para os serviços administrativos, com um salário de 485,98 euros limpos, mais 25,76 euros por serão (ai serão, serão...e muitos), almoço por conta da temida organização no restaurante do Lelo, e percentagens de 10% a 19,87% nos assaltos, raptos, assassinatos, atentados, torturas, extorsões, invasões, subversões, manifestações, revoltas, insurgências, golpes de Estado, golpes de mão e na mão, etc., dentro do horário de expediente. 
O sr. Santos e o sr.Costa subiram ao 10º andar para apresentar as instalações a Victoria Rabanova, Al Trokas foi jantar à pizzaria com a Mariana que tivera a pachorra de esperar todo aquele tempo (um mistério que o magano nunca desfaz) e o "Átila" tentava fazer uma nova ninhada à gata com o cio da vizinha . No horizonte o sol vestia o pijama para uma noite de descanso e o Lelo arrumava a esplanada depois de um árduo dia de trabalho em que conseguira  retirar 21,46 euros da caixa registadora alérgica às Finanças...







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