quarta-feira, 6 de julho de 2011

A bandeira do IRRA



Ainda o IRRA não se encontra completamente organizado, faltam a bandeira e mais alguns outros pequenos pormenores para a temível e implacável organização entrar operacionalmente em cena, e a sua fama já vai longe e  dá voltas e reviravoltas do Mundo. Esta noite, estava o Al Trokas a fazer "zapping" na cama, com insónias e às voltas com os fígados por ter abusado da dobrada com feijão enlatado porque não foi na conversa fiada de ontem do Lelo sobre as maravilhas gastronómicas do "polvo à lagareiro" , passando do National Geographic, onde um cientista com um sorriso de orelha a orelha desfazia uma bosta de elefante à mão para tentar determinar a razão do animal andar sempre tão trombudo, para o Hot Sex, onde uma loira e uma morena se alambazavam uma à outra com o mesmo entusiasmo dos putos a mastigarem "gorilas", e o telejornal da Roménia, onde as notícias não diferem muito dos acontecimentos acontecidos (isto não soa muito bem, pois não?...em frente) na Zona J de Chelas ou na Quinta do Mocho, quando soou o telemóvel às 3h47m38s. 
O Al Trokas tacteou em direcção ao som de chamada (uma rajada de metralhadora que já tem deixado muita gente apavorada de braços no ar a pedir por favor que lhe levem a carteira, o relógio, a pulseira, o fio, o carro e a casa, como nas músicas pimba da Ágata, mas que lhe poupe a vida...) do aparelhómetro ainda da primeira geração, que a crise já vem de longe, mas picou-se na tesoura com que costuma cortar as bolas do pêlo à gata persa Nika e os dedos dos pés (dele, não os da farfalhuda felina), atirou o ao chão o candeeiro oferecido por uma querida a quem andou a arrastar a asa mas não levou nada porque ela apesar de casada gostava era de fruta da mesma árvore, entornou o frasco do Viagra (ah, pois, nunca se sabe o dia de amanhã depois dos 50 anos), atirou com um chinelo ao gato tigrado amarelo Patolas que já andava a cheirar e a lamber o comprimido azul dos milagres da multiplicação das cópulas, amarrotou o maço de cigarros antes da sua sensível sensibilidade (mau, mau, hoje parece que estou a repetir palavras derivadas...não sei de onde mas acho que do Latim bárbaro) sensorial lhe transmitir ao cérebro que "aquilo" não era o seu velho e fiel Motorola, sentiu algo peganhoso e só depois se lembrou que se tinha assoado a uma peúga abandonada desde os frios gélidos de Fevereiro, as apalpadelas, à luz acinzentada do ecrã da televisão Toshiba ainda a preto e branco aos pés da cama, herança de um prima  afastada na distância e na árvore genealógica (uff...à última hora reparei que tinha escrito ginecológica mas felizmente fui a tempo de emendar antes de carregar no Enter porque apesar de serem palavras muito parecidas nada têm de familiar) que se finara na capoeira dos coelhos,   deitaram para trás da mesa de cabeceira o manual de guerrilha "O Talibã das 1001 Noites e as Setenta Virgens do Suícida" até que, finalmente, agarrou o arcaico modelo portátil daqueles que precisam que lhe puxem a antena para fora para se sintonizar rede e ouvir qualquer coisa que faça sentido. 
Mesmo com os gemidos da vizinha do lado a trespassarem as paredes supostamente erguidas para separem as privacidades e deveriam ser em princípio  intransponíveis às poucas vergonhas sonoras, a vizinha, dizia eu, estava de certeza a rebolar-se na cama com o mecânico do velho Ford Ka dela, um matulão que é grande mas não é grande coisa, que muda frequentemente o óleo ao carro e à dona, mais a ela que ao veículo, apesar deste deixar atrás de si (dele) pelas estradas dos subúrbios mais fluídos lubrificantes que um idoso incontinente num lar ilegal, Al Trokas ainda conseguiu perceber a voz de um português emigrado em Mbabane, na Suazilândia, a solicitar um "trabalhinho" contra a omnipresente sogra,  que lhe infernava as terças-feiras de folga, dia sagrado e consagrado integralmente para pôr em dia os deveres conjugais com a dedicada e fogosa esposa, não fosse a velha passar o tempo a interromper-lhes as tentativas de a fazer entrar no clube das avós, ora perguntando se tinham um raminho de salsa que pudessem dispensar ora ficando ali especada porque se tinha esquecido da chave dentro de casa. O conjugue, desesperado,  agarrou-se uma noite ao computador em busca do KGB, do IRA (vamos processá-los se não mudarem de nome), do ANC, das FB-25, das BR, mas gostou particularmente do nosso site do IRRA e das fotos e do "curriculum vitae" do Al Trokas, do sr. Santos e do sr. Costa. No entanto, depois de agradecer a atenção e sentir-se orgulhoso por rapidamente começarem a aparecer propostas de "trabalho", o recém-revolucionário explicou ao infeliz emigrante de Mbabane (para os licenciados por cunhas é a capital da Suazilândia e não um extremo-esquerdo impigido por Jorge Jesus a Luís Filipe Vieira com a milésima centésima octagésima oitava promessa de desta vez ser  infalível a sua qualidade para  substituir Di Maria com êxito no clube da águia) que a prioridade absoluta no momento é combater a corrupção política em Portugal e não tratar da saúde a sogras inoportunas e empata concepção de netos, apesar dos números tentadores apresentados e que fariam esquecer por completo os 50% do subsídio de Natal que nos vão ser roubados pelo Estado para oferecer à "troika", FMI, BCE e outros chulos engravatados enfiados em gabinetes de ar condicionado, onde apalpam as secretárias, quer as de mogno quer as de carne e osso.
Al Trokas desceu até à esplanada do Lelo, onde, se não fossemos uma organização extremistamente secreta e fundamentalistamente clandestina seria caso para deitar uma salva de foguetes, já se encontravam os pachorrentos sr. Santos e sr. Costa. 
"Bom dia", saudou com a senha Al Trokas, ao qual responderam com o "Bom dia" da contra-senha, em uníssono e afinados como o antigo e saudoso Duo Ouro Negro da célebre e popular "Maria Rita, Maria Rita, eu  pergunto à multidão mas ninguém a viu passar...lá...lá...lálálá...lá...lá...". Alto e pára o baile, que a situação não está para festas. 
O Lelo arrastava um enorme saco plástico de lixo quase da sua altura e aos saltinhos lá teve arte e engenho para meter no contentor os restos dos almoços servidos aos parvos dos clientes que ali pagam o dobro por metade do que enfardariam em qualquer restaurante minimamente decente e sem passarem pelo sobressalto de aparecer por ali a ASAE e apreender tudo desde a peçonhenta colher de pau até aos peixes apanhados por um amigo ali junto aos esgotos do Tejo onde desagua a Ribeira do Jamor e que constituem um perigo para a saúde pública muito maior que a bactéria e.coli, a sucessora das vacas loucas e da gripe das aves, as "pestes negras" do século XXI que vão dando um jeitão às farmácias, médicos e hospitais para manterem o negócio a funcionar sem quebra de clientes. 
"Olhem para ali -- disse o sr. Santos apontando para as manobras acrobáticas do pequeno Lelo para enfiar o saco dentro do contentor -- aquele saco do lixo parece o nosso país. Lá vai ele para o contentor como as agências de rating atiraram Portugal  como um trapo velho sem utilidade e sem respeito pelos nossos oito séculos de história. 
Os amigos olharam e concordaram acenando com a cabeça. Hoje não houve trocas azedas, como o vinho tinto que o Lelo serve a copo à surrelfa apesar de ser proibido por lei, sobre roupas e indumentárias porque todos vinham, finalmente, vestidos como pessoas normais. 
"Al Trokas, colocamos essa filha da puta da agência Moody's na nossa lista negra?", perguntou o sr. Costa, ao mesmo tempo que sacava do bolso da camisa um pequeno bloco de notas ainda em branco e uma caneta. 
"Claro que sim -- anuiu Al Trokas -- mas não me fales em lixo que eu passo-me"
"Por causa da Moody´s, Trokas? Deixa lá que depois tratamos da saúde a esses usurários da máfia internacional do grande capital", acalmou-o o sr. Costa. 
"Não é isso, Costa -- explicou-lhe o Al Trokas -- Não te lembras quando o paneleiro do administrador do nosso prédio meteu na casa do lixo a carpete que eu tinha lavado do mijo dos gatos e estava a secar na escada?".
"Lembro-me -- riu-se o sr. Costa -- e deste-lhe um murro nas fuças quando ele te bateu à porta a pedir-te explicações. Se não fosse aqui o Santos aquilo acabava mal".
"E quando a administração do nosso Lote 69 decidiu fechar as condutas do lixo de todos os andares e soldou as tampas e o Trokas pegou no martelo às 4 da manhã e acordou a zona toda a reabri-las à martelada?" -- recordou o sr. Santos. 
A malta do IRRA desatou às gargalhadas, que subiram de volume quando o Lelo passou por eles cheio de espinhas de peixe, nódoas de gordura e dos restos que acabara de meter no contentor do lixo, depois de uma luta titânica com o gigantesco saco de detritos e a tampa amovível do depósito do lixo...
"Cambada de velhos que não fazem a ponta de um corno e ainda me gozam", resmungou o diligente, mas mal afortunado empresário da restauração. 
"Meus amigos -- interrompeu Al Trokas a galhofa -- Já temos o grupo fundado, os estatutos feitos e o hino composto, falta-nos uma bandeira..."
"Uma bandeira, Trokas, achas que é mesmo preciso?", disse, surpreendido, o sr. Costa.
"Estou de acordo com o Trokas, um grupo, mesmo que seja implacavelmente revolucionário e perversamente subversivo como o nosso precisa de uma bandeira, um símbolo, uma sigla, um estandarte, que arraste multidões atrás dele, ao som do rufar dos tambores, do hino...", entusiasmou-se o sr. Santos. 
"Calma -- interrompeu o Al Trokas -- não é necessária  uma coisa muito elaborada, um desenho simples que toda a gente reconheça à primeira vista, qualquer coisa do género de uma cruz de Cristo, uma estrela vermelha, a estrela de David, o crescente, não há ninguém no Mundo que não os identifique imediatamente. Não quero é uma merda como aquilo..."
E apontou para a bandeira da União Europeia que flamejava no toldo da esplanada do Lelo. O sr. Santos não hesitou e, tal como acontecera na acampada no Rossio, descarregou a carga pulmonar dos dois maços de cigarros  consumidos diariamente mesmo no centro das estrelas amarelas sobre o fundo azul. 
Cada um deitou mãos à criatividade nos guardanapos de papel e apresentou o projecto final. 
"Que acham disto? -- perguntou o sr. Costa, orgulhoso do desenho idealizado.
Al Trokas pegou no papel com os rabiscos e passou-o ao sr. Santos. 
"Que complicação por aqui vai, ó Costa, quando Deus distribuiu a habilidade para desenhar pelos homens tu tinhas ido cagar atrás um silvado, não?", gozou o sr. Santos, amarrotando o papel e deitando-o para o chão, antes o olhar reprovador do Lelo, que, sem clientes, estava encostado à ombreira da porta a fazer contas à vida. 
Depois deste primeiro falhanço que foi o fracasso da proposta do sr. Costa, uma caveira com estrelas no lugar do buraco dos olhos e a palavra IRRA a fazer de dentadura, uma figura que fazia lembrar o nosso professor da escola primária, conhecido pelo "caretas" devido à cicatriz que tinha no lábio superior quando deu uma ponteirada nas nalgas de um colega nosso muito gordo, o "Bola de Berlim", e a vara partiu-se e uma falha aguçada alojou-se na carne mesmo abaixo do nariz do mestre-escola. E ficou assim parecido com o desenho...
O esboço do sr. Santos também não passou no exame, eram dois pés, que ele justificou como sendo uma caminhada para a revolução mas que se assemelhavam mais aos sinais dos móteis para "rapidinhas" que pululam no Facebook". Outro papel para o chão e o Lelo cada vez mais incomodado com o lixo que estávamos ali a acumular. 
Nem o Al Trokas, que se gabava (mas ninguém o levava a sério) do seu jeito para as Belas Artes, conseguiu explanar a sua pretensa veia artística, desenhando algo que tanto podia ser o exemplo de um gajo impotente, um canhão da Guerra Civil Americana, no século XIX, uma fruteira com uma banana e duas pecaminosas maçãs ou dois coelhos a copular. Mais um papel amarrotado no chão e o Lelo explodiu:
"Porra, já tenho o chão cheio de merda, só falta um cagalhão para ser uma estrumeira completa...Vão-se catar e desapareçam..."
"Temos bandeira !", berrou o Al Trokas, histérico de alegria. 
O sr. Costa e o sr. Santos entreolharam-se, espantados com este final imprevisto. 
"O cagalhão é universalmente reconhecido...e além disso não há quem não faça merda quer queira quer não", liturgiou Al Trokas, radiante.  
O IRRA tinha a sua bandeira! O Mundo nunca mais cheiraria igual... 









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