sábado, 6 de agosto de 2011

As FÉRIAS do IRRA ! (1)


O IRRA esteve ausente durante uns dias no gozo de umas merecidas férias. Para todos os que não tomam os comprimidos contra a degeneração memorial das células gravadoras da função pirolitóidal, mais conhecida popularmente entre a massa anónima que todos os dias de manhã se dirigem aos empregos como "zombies" encaixotados nos transportes públicos ou isolados nos carros privados em bichas (sim, meus caros camaradas empenhadamente revolucionários, uma bicha, sem contar com o casal de vizinhos do 5ºA ou o travesti que se mudou recentemente para o 2ºB, é formada, neste caso, por automóveis uns atrás dos outros; uma fila seriam os mesmos automóveis lado a lado; por isso lá por no Brasil as bichas serem bichas e não filas não quer dizer que em Portugal as filas sejam filas e não bichas em vez de filas. Perceberam ou é preciso queimar de vez esse demoníaco Acordo Ortográfico, onde um acto sexual não tem "c" e toda a gente sabe que um ato sexual sem a terceira letra a contar do "a" no sulista, soalheiro e deficitário alfabeto latino é completamente destituído do picante e fanfarrão pirilau masculino com o dito "c" ou da acolhedora grutinha feminina também ela com um "c" labial a enfeitar a fachada do aquecimento central interior e mesmo a também muito usada entrada de serviço das traseiras do vulgus traseiro não dispensa o indispensável "c" tal como o grão com mão de vaca necessita óbvia e culinariamente do  dito grão e da mão da bovina assim como o noivo pega na mão da noiva, e vice-versa, quando trocam de alianças e juram hipocritamente como os médicos ao Hipócrates deles fidelidade para toda a vida apesar da "rodagem" anterior de ambos ter dado mais ou menos voltas ao conta-quilómetros e um já andar enrolado com a secretária ou com a escriturária fogosa de 2ª classe lá da repartição e o outro aproveitar as consultas de psiquiatria para se deitar lascivamente no divã freudiano inventado pelo malandreco Indiana Jones das mentes com o mesmo nome e explicar mais com o corpo do que com a alma ao discípulo do Freud das taradas por sofás a razão porque passou dois anos de insónias a contar carneiros até o canalizador a desentupir daqueles tormentos? 
Se já não se lembram da utilidade do ponto de interrogação do parágrafo anterior, é muito provável que essas cabeças a transbordar de telenovelas, futeboladas distorcidas por juízes autocráticos de apito na boca tão ferozmente senhores do seu nariz como os seus colegas que assinalam à martelada nos tribunais "penaltys" contra os pilha-galinhas mas nunca exibem o amarelo e muito menos o vermelho aos corruptos que infestam a sociedade como uma praga de proporções bíblicas, comentários económicos, cenários apocalípticos do Medina Carreira contra-comentadas por comentadores que comentam os comentários comentados por opinadores de opinião contrária às opiniões opinadas, de notícias aterradoras sobre a crise que leva o pessoal a consumir inutilidades para se sentirem úteis no combate à crise e cansadas de papaguearem ao telemóvel desperdícios comunicacionais como "estou a chegar" ou "podes-me abrir a porta", também já só tenham uma vaga ideia de que o IRRA é o grupo mais subversivo, clandestino, irrequieto, imaginativo e incómodo para o "sistema" sistematicamente corrupto que corrompe o corrompido Estado português até ao tutano. 
Os três inimigos públicos nº 1, 2 e 3 do pantanoso, viscoso e enlameado "status" republicano lusitano, Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa, aproveitaram a acalmia das acampadas, manifestações, protestos, revoluções, convulsões, associações, atentados, bactérias e.coli, bombardeamentos, congelamentos, abaixo-assinados, acima-assinados, imolações,  e demais formas e contra-reforma de luta e resistência anti-qualquer-coisa possível e imaginária para recarregarem as insaciáveis baterias activistas nesta cruzada contra a autocracia democrática travestida de ditadura eleitoral maquilhada de regime parlamentar  com um "lifting" presidencialista e maquiavélica manipulação partidária. 
Al Trokas aproveitou a ausência da Jeitosa, a mais-que-tudo dele que não quer ninguém, como lhe jurou a pés juntos à sombra da palmeira ornamental fronteiriça ao Lote 69, ao que ele, com uma lata que já data dos tempos da catequese quando fazia olhinhos à Isabelinha atrás da imagem de Santa Teresa na  semi-escuridão colorida pelos vitrais da Igreja das Mercês, lhe respondeu, qual romeiro de um auto de Gil Vicente, "eu sou o teu ninguém, querida", ao que ela lhe virou as costas sem acreditar numa única palavra do veterano revoltado apaixonado e meteu-se no carro sem sequer lhe dirigir um adeus com a delicada mãozinha que Al Trokas já lhe prometeu pedir à mãe, irmã e demais familiares. 
Desculpem lá, caros leitores, mas aqui tenho de abrir um parêntesis [Querida Jeitosa, se deitares os teus belos olhinhos irrequietos, irreverentes e carinhosos quando estás distraída aqui pela saga do IRRA durante as férias juro perante as testemunhas de todo o mundo que nos seguem, que te amo como nunca amei ninguém nos últimos...deixa cá ver...(longa pausa)...bom, não interessam os anos, os meses, as semanas, os dias, as horas, os minutos ou os segundo...amo-te mesmo e pronto]. O parêntesis está fechado e siga para bingo não, é uma expressão muito banal, em frente também não, isto não é uma carga de cavalaria, "Alea Jacta Est", está bem, serve, dá sempre um toque de classe intelectual incluir uma expressão que poucos percebem numa prosa que ninguém entende....Se quiserem saber o seu significado vão à Wikipédia, o "pai dos burros" da geração informática como o Dicionário da Porto-Editora era o "avô dos burros" da minha geração...
Al Trokas acabou por fazer férias cá dentro. Não para agradar ao chefe Cavaco Silva, porque, como todos sabem, o fundador do IRRA está 24 horas diárias, incluindo feriados e dias santos, contra tudo e contra todos...Tão dentro, tão dentro, que nem saiu de casa. O destino tem destas coisas seja-se ou não um empedernido elemento megamente subversivo. Acontece a todos. 
Quando entrou no átrio arejado e fresco do Lote 69, bufando e praguejando contra o calor, deparou-se a Al Trokas uma cena que lhe mudou as férias para sempre. Para sempre mas só as férias. A vizinha do 4º D, uma mulher  tão longe da adolescência como dos 30 anos,  sinuosamente esguia e onduladamente loira, chorava copiosamente à porta do elevador do rés-do-chão. Ela e Al Trokas nunca tinham trocado uma única palavra até então a não ser "boa noite" por duas ou três ocasiões.  O coração de pedra basáltica como a expelida pelo vulcão Krakatoa do clandestino incondicional e eterno refilão anti-sistema metamorfoseou-se em algodão doce como o da antiga e saudosa Feira Popular, onde ele, depois de beber uns copos nas farras orgiásticas-romanóides dos dias de folga que festejava habitualmente como poucos se divertem na passagem do ano, tinha a mania de fazer a montanha-russa em pé no carro sobe-e-desce, de braços abertos, confiando na gravidade do gajo das maçãs de que já lhes falei. O elevador chegou e...

(amanhã há mais...) 

sexta-feira, 22 de julho de 2011

EXPLOSÃO: comunicado do IRRA !

Comunicado do IRRA sobre as explosões que explodiram em Oslo: 
1) Apesar do escandaloso preço do bacalhau da Noruega; 
2) Apesar das exorbitantes contas que o Lelo extorque (ah pois é, o verbo extorquir é mesmo assim...) aos clientes  no restaurante "Dentada" por umas postas anoréxicas de "Bacalhau à Brás", "Bacalhau à Lagareiro", "Bacalhau Assado com Batatas a Murro", "Bacalhau com Todos (isso é que era bom...), "Bacalhau com Natas", "Bacalhau à Benedito", "Bacalhau à Assis", "Bacalhau à Vareiro", "Bacalhau Torricado", "Bacalhau Que Nunca Chega", "Bacalhau no Forno com Pinhões", "Bacalhau Gratinado", "Bacalhau Constipado", "Bacalhau à Olímpia", "Bacalhau Escondido", "Bacalhau à Gomes de Sá", "Arroz de Bacalhau", "Açorda de Bacalhau", "Bacalhau à Zé do Pipo", mais os "pastéis de bacalhau", "punhetas de bacalhau", "pataniscas de bacalhau", com mais cheiro que propriamente dito cujo;
3) Apesar de a Noruega ter vencido Portugal para a fase de qualificação do Euro-2012; 
O irascível e intratável IRRA declara-se inocente como um bebé recém-nascido deste atentado pelas seguintes razões: 
1) Al Trokas está entretido a tentar engatar uma boazona no Facebook, mas a coisa não está fácil que ela é casada com um tipo que vasculha o portátil dela todos os dias quando chega a casa e já a obrigou a deixar de trabalhar por desconfiar que ela tinha sido promovida por passar muito tempo no gabinete do patrão e saía de lá com o bloco de notas amarrotado mas sem nada escrito...
2) O sr. Santos foi beber uma bica com a secretária do IRRA, Victoria Rabanova, a explosiva romena, embora no café em questão ainda não os tenha visto e o elevador encontra-se encravado há duas horas e trinta e seis minutos entre o 7º e o 8º andar. Como ninguém accionou o alarme lá de dentro e a porteira jura pela saúde dos filhos que ouviu gemidos será que?...
3) O sr. Costa tem o velho chasso Opel Kadett na inspecção e duvida-se que a viatura não seja apreendida por falta de luz no farol esquerdo, travão de mão partido, radiador a verter óleo, direcção desalinhada e nódoas misteriosas no assento de trás, pelo que não haveria transporte até Oslo com a gasolina a dividir por todos, que, aliás, já gastaram as miseráveis reformas que auferem e para eles todos os meses são aflitivamente longos. 
4) O "Átila", o gato selvagem  do IRRA,  anda às gatas há três noites seguidas com as peludas bigududas dos lotes das traseiras...
Saudações irreversivelmente revolucionárias
Al Trokas
sr.Santos
sr.Costa

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A bomba do IRRA



O IRRA, a tremenda força clandestina anti-corrupção política, anti-sistema e 
anti-aquela lenga-lenga que o Al Trokas  já por aqui descreveu há uns capítulos atrás, mas já não ele se lembra muito bem do que por aqui vai acontecendo porque a porra da idade e o avanço do malfadado Alzheimer já vai fazendo das suas e minando o cérebro como uma bicha-solitária comodamente instalada nas merdelhices dos intestinos. 
Ainda ontem, Al Trokas em vez de colocar  as pastilhas de Skip na máquina de lavar loiça encheu o depósito da   velhota AEG comprada a prestações suaves, tão suaves que o dono da loja de electrodomésticos nem deu por elas, de meia embalagem de Fary. Horas depois, quando pretendia entrar na cozinha, esta encontrava-se submersa num mar de espuma que cobria a banca, o vetusto micro-ondas mais o lava loiça e os pratos de comida dos gatos, que se empanturraram com uma perna de peru exposta ao sol na varanda para descongelar e enfardar ao almoço com um pacote de batatas fritas com sabor a presunto. 
Na noite anterior, a distracção (será só isso?) antes de se deitar, Al Trokas pôs um sapato a carregar em vez do telemóvel que só tem caracteres chineses porque o livro de instruções percebe-se menos que o tipo gago do 7ºE e ouve-se menos que a vizinha do 2º C sussurrar ao vizinho casado do 2ºB "vá, entra, antes que a tua mulher nos veja". Depois de fumar um cigarro na retrete,  o  componente do temido e procurado IRRA, limpou o rabo a chuviscar da lavagem higiénica no bidé com sabão azul à camisa de seda tailandesa amarelo-periquito comprada nos saldos Dª Helena trocando-a inadvertidamente   à toalha turca azul com um patinho bordado numa das pontas, deixada lá por casa por uma ex "unida de facto" que não achou muita graça prenda de anos meladamente oferecida por Al Trokas, um roupão sexy vermelho que uma streap-teaser da Reboleira lhe atirou sugestivamente para a cara quando se despia sensualmente para um público na sua maioria composto por trolhas saídos da "ferrugem" no turno da meia-noite que se babavam nos copos de uísque marado forjado pelo Etelvino, um ex-proxeneta do Intendente que conhecera Al Trokas numa rixa à navalhada no célebre antro de mulhares de paixões ao minuto,de taxímetro sempre a contar,  conhecido por  "Istambul", como  os mais velhos que passam os olhos por aqui devem reconhecer pelo menos de nome.  
Naquela catedral do vício "atacava" uma loira quase anã e marreca conhecida por todas as aves nocturnas de Lisboa como a "boca do inferno", que palmilhava os passeios da Rua Artilharia 1 até ao "Apolo 13" do Bairro Alto.  Uma noite, estava Al Trokas a conversar com a "Marreca do Istambul" sobre a crise do petróleo de 1976 (duvido que fosse este o tema do diálogo mas também não vamos desconfiar de tudo e todos) e foi de cana, juntamente com cinco vadios mal-encarados, sob a mira da pistola Walther 6,35mm do temível chefe  da esquadra das Mercês, "O Bailarino", que acabara de sair do hospital de São José por ter levado um enxerto de porrada monumental de um bando  de chulos, já fartos de lhes estragarem o negócio, que lhe partiu quatro costelas, o maxilar em dois lados, meia dúzia de dentes e rachado a cana do nariz.  
O mandante policial, assim que acabou a baixa forçada,  organizou esta  rusga que levou Al Trokas e quem mais lhe aparecesse pela frente para enfiá-los nos calabouços da célebre esquadra que faria borrar de medo o histórico inquisidor Torquemada que tinha a mania de mandar cozinhar os hereges nas fogueiras dos actos de fé no Rossio. Como a malta que seguia sob prisão em bicha-pirilau pela Rua de "O Século" abaixo não se movia com a ligeireza que ele pretendia, o "Bailarino" disparou dois tiros para juntos dos pés das suas presas. Ao som seco daquela pistola apaneleirada seguiu-se o silvo das minúsculas balas a fazerem ricochete no empedrado da rua com o nome do defunto jornal encerrado anos mais tarde por Manuel Alegre, então secretário de Estado da Comunicação Social, por não se vergar à nomenclatura socialista que sucedeu à era gonçalvista do Verão Quente de 75. 
Na esquadra das Mercês, o ambiente não era menos aterrador que a caça às bruxas na Idade Média. Os detidos começavam logo por ser agredidos pela sentinela com a coronha da Uzi e subiam as escadas impelidos a  socos e pontapés dos diligentes guardas.
Quando Al Trokas ia ser sujeito ao mesmo "tratamento" e ficar sem mais alguns dentes, o "Bailarino" deu uma ordem ao polícia de plantão à porta antes que ele descarregasse a pistola-metralhadora israelita nas ventas do agora insuportável insurgente do IRRA. "Não lhe batas. Manda esse gajo ao meu gabinete". Al Trokas entrou no cubículo onde o "Bailarino" delineava os seus planos muito sui-generis de combate ao crime, confessando os inocentes a sua inocência à chapada e os culpados reconhecendo a sua culpa à força de tabefes. O imperador policial do Bairro Alto puxou de um exemplar do "Record",  folheou umas páginas e perguntou a Al Trokas: "Este cabrão da fotografia não é você? Se não é tem um focinho igual ao seu...". O detido olhou a fotografia e confirmou que era ele mesmo na foto. Depois de se identificar com o Bilhete de Identidade, a Carteira Profissional e os cartões do "Record" e do "Diário Popular", Al Trokas foi supreendido com uma manifestação exemplar de respeito pela liberdade de Imprensa quando o "Bailarino" lhe colocou uma mão sobre o ombro e lhe disse que contasse sempre com ele porque tinha ali "um amigo". Depois de apertarem as mãos, o chefe berrou para o atónito sentinela: "Ó sua besta, deixe sair em paz este senhor que é meu amigo !". 
O "Bailarino" transfigurara-se qual Dr. Jekyll and Mr. Hyde... 
Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa, os desumanos fundadores do infernal grupo indiscretamente subversivo do IRRA, estavam misteriosamente ausentes da esplanada do café-restaurante "Dentada" para infelicidade completa do Lelo que passou a tarde sem vender uma bifana, apesar do monumental letreiro "À caracóis i caraculetas" visível do Cabo Espichel a 30 quilómetros em linha tão recta como as curvas  da enfermeira Geraldina do 9º F aqui do  Lote 69.
Os resistentes anti-sistema corrupto dos políticos encontravam-se na sede do IRRA numa azáfama que deixaria o SIS em alerta máximo, a PSP e a GNR recolhida nas suas míseras e arruínadas instalações, os quartéis de prevenção e os políticos desonestos em fuga a caminho das suas off-shores onde estão depositadas a maioria dos impostos dos portugueses.   
"Os produtos aparentemente inocentes que todos temos nos armários da casa-de-banho -- leccionava Al Trokas para os sanguinários camaradas sr. Santos e sr. Costa e a nóvel secretária Victoria Rabanova -- são compostos por substâncias químicas que chegam e sobram para fazer bombas que enviariam para as nuvens os cus chamuscados esses pulhas que nos andam a explorar com PEC's e dívidas soberanas mais a puta que os pariu".
Veteranos da Guerra de África, Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa relembravam algumas das "engenhocas" que improvisavam quando faltavam no arsenal do Exército Português os "produtos" mortíferos aprovados pelas exigentes normas da Convenção de Genebra, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Tribunal Penal Internacional, a Cruz Vermelha Internacional e outros gajos que só empatam quando a rapaziada se quer matar uns aos outros...
"Eu lembro-me dessa trapalhada toda -- interveio o sr. Santos -- lembram-se quando fizemos uma emboscada a um grupo de turras que se infiltravam  do Zaire?..."
"Ena pá, não me recordes isso -- interrompeu-o o sr. Costa -- que  grande embrulhada por causa do observador da ONU. Os gajos do IN (termo militar que designa Inimigo) deram pela nossa presença por causa do cabrão desse burocrata das Nações Unidas e começaram a disparar raivosamente na nossa direcção com as AK-47, PPH's, Simonov e até uma "ceifadeira" Maxim e o malandro não nos deixava ripostar por causa dos direitos humanos. Não era permitido atingi-los na cabeça, coitados, que lhes estragávamos o penteado, nos braços também não podia ser porque depois não poderiam trabalhar na agricultura e a mulher, as quatro amantes, os 26 filhos, mais o avô e a avó ficavam sem o chefe de família que declarasse o IRS às Finanças da FNLA, nas pernas ainda menos para não ficarem mancos e serem chacota da criançada lá na aldeia "olha lá vem o coxo" que os miúdos para gozar com a desgraça alheia são piores que diabretes."
"Ainda bem que o cabo Alípio -- completou a epopeia Al Trokas -- deu uma traulitada na tola daquele empata fodas e deixou a malta "trabalhar" à vontade senão não estávamos aqui a para perseguir os corruptos que nos levaram à desgraça." Quando recuperou os sentidos, dissemos ao "onu" finlandês que tinha sido um gorila que lhe tinha dado com um galho nos cornos e só não o enrrabou porque lhe demos uma banana da nossa ração de combate.
O cabo Alípio era um castiço produto da Madragoa, fino como um pau de vassoura, um bocado desarrumado da cabeça, que casou com uma mulher mais velha e 62,865 quilos mais pesada que ele. O gabarolas ufanava-se em público de ter dado 14 "pranchadas" à mulher na noite de núpcias, enquanto viam revistas e filmes pornográficos de 8mm. "E não foram 14 voltas na cama, foram mesmo 14 sem tirar", explicitava entrando em pormenores que não podem ser reproduzidos neste texto para inocentes leitores dos 7 aos 77 anos. 
Por onde passava, o cabo Alípio arranjava sempre um emaranhado de sarilhos. Encontrava-se no nosso grupo de combate em primeira instância devido a um castigo imposto pelo comandante do Regimento de Infantaria de Braga, onde era responsável pela pecuária do quartel, desde as couves e as cenouras aos porcos, patos e galinhas. Corria pela unidade o boato de que ele andava a insinuar-se a uma porca que acabara de parir uma ninhada de leitões. Chamado ao gabinete do comandante, o ríspido coronel perguntou-lhe se os rumores correspondiam à realidade. O cabo Alípio, direito como um pilar da Ponte Sobre o Tejo, deu a sua versão: "É uma elifântia (às vezes tropeçava na Língua de Camões quando tentava esgueirar-se ao vernáculo habitual com que se fazia entender mas quem lê isto já deve ter discorrido que ele pretendia dizer "infâmia"), meu coronel, nunca me meti com a porcaria da puta...desculpe...a putaria da porca...perdão...a porca da porquinha...a porca...até porque ela foi mãe há pouco tempo e não deixa ninguém fazer porcarias com ela, a pu...a porca".
O coronel mandou-o destroçar e sair mas o cabo Alípio nunca conseguia fechar a boca a tempo de sair asneira e quando ia fechar a porta do gabinete do oficial supremo espreitou e disse com um sorriso enigmático: "Mas, meu coronel, andam por lá umas galinhas que me deitam uns olhinhos..."
"Fora daqui, seu palhaço -- berrou-lhe o comandante -- vou transferi-lo para o mais longe daqui que puder! Para o diabo que o carregue!"
O pobre do cabo Alípio recebeu ordem de marcha para o Regimento de Cavalaria de Estremoz. Mas a estada nessa unidade também não lhe correu de feição. Foi colocado na horta do quartel e passava o dia a cavar e a semear e  a apanhar alhos, cebolas, batatas e outros produtos para a panela do rancho. O nosso amigo chegava à noite estafado, com as cruzes das costas doridas, as mãos gretadas pelos paus ásperos dos sachos, sacholas e enxadas e não se conformava com a boa vida da mula do regimento que passava o santo  tempo pachorrenta a moer a moer e remoer fardos de palha. 
As ideias, geralmente más, que fervilhavam na mente do cabo Alípio levaram-no a atrelar um arado à mula, o que lhe evitaria a canseira de andar a cavar de sol a sol. No entanto, falhou um pequeno pormenor à "descoberta da pólvora" do excêntrico e descuidado militar. O quadrúpede perissodáctilo não estava habituado à parafernália de arreios  e espantou-se arrastando atrás de si  em correria imparável a afiada cunha do arado. O incidente aconteceu no preciso momento em que se fazia o render da parada, às 14h00, nem um segundo a mais ou a menos, com o comandante e os seus oficiais perfilados em frente aos esquadrões rigorosamente alinhados ao milímetro, como é norma nas unidades de Cavalaria. 
As botas engraxadas exaustivamente e os distintivos com as duas espadas cruzadas nas boinas pretas e nas bandas dos blusões resplandeciam ao sol de Verão quando a mula apareceu num galope desvairado com o malvado arado atrelado, traçando uma cicatriz no imaculado alcatrão de uma parada limpa até à paranóia por ordem do comandante que a exigia lavada e higiénica capaz de bebé poder comer a papar do chão sem borrar a fralda com uma diarreia bacteriana. 
O pandemónio instalou-se no disciplinado e orgulhoso  Regimento de Cavalaria de Estremoz quando a mula investiu sobre o coronel que caiu do alto das suas botas altas até ao joelho sobre os aterrorizados segundo comandante, um tenente-coronel vaidoso da sua árvore genealógica cujos ramos mais afastados ainda faziam uma pequena sombra a D. Afonso Henriques, e o major de Operações, um veterano condecorado da guerra na Guiné, onde nunca tinha passado por um aperto semelhante. 
A espantada mula deu meia volta e enfiou-se pelo meio dos esquadrões dos anteriormente aprumados soldados agora em fuga deste furacão de quatro patas que continuava a lavrar o chão da parada atrás de si em vez da horta do pobre cabo Alípio. O assustado animal só se deteve quando o arado ficou preso no cabo de reboque de uma Berliet junto às oficinas, uma oportunidade que o mecânico Abrantes não perdeu para segurar a possante mula com os seus não menos possantes braços peludos até dois pelotões de orgulhosos cavaleiros caírem sobre ela e imobilizarem-na apesar dos fortes coices que chutava em todas as direcções até acalmar quando a despojaram da escravatura dos insuportáveis arreios. 
O coronel, assim que recuperou do inesperado ataque, assinou uma guia de marcha para o cabo Alípio e foi assim que ele chegou ao grupo de combate de Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa. 
Entretanto, no 10º andar do Lote 69 desenrolava-se uma cena sinistra. 
"Olhem para a nossa secretária Victoria Rabanova -- mandou Al Trokas -- Ela por si só já é uma bomba!"
"Obrigada, Al -- agradeceu a estonteante romena ajeitando a mini-saia e os cabelos brilhantes e sedosos -- és sempre tão querido e carinhoso para mim".
Al Trokas pigarreou, o sr. Santos mirou-lhe os seios em fuga de uma camisa justa e o sr. Costa mediu-lhe as longas e torneadas pernas ao milímetro. 
"Sim, minha querida Victoria -- explicou Al Trokas -- mas agora a palavra bomba não era nesse sentido".
E virou-se para os indefectíveis amigos: 
"A nossa simpática e dedicada secretária usa alguns dos produtos essenciais para fabricarmos a nossa bomba. Tira o verniz das unhas com acetona. Certo? (Ela acenou afirmativamente com a cabeça). Faz madeixas com tinta para cabelo. Certo? (Ela esboçou um  sorriso sensual ao mesmo tempo que puxava com os dedos uma franja de cabelo para a frente dos belos olhos rasgados). Há por ali diluente para tirar a tinta de esmalte. Certo? (O "Átila", o terrível e assanhado gato que quase assassinara o pintor contratado para pincelar a sede do IRRA e fugira a sete pés abriu os olhos e enroscou-se mais comodamente ao sol no parapeito da janela). Temos desinfectantes, álcool e água oxigenada. Certo? E há por aí desentupidor das retretes. Certo, ó Santos? (O visado cada vez que usava a sanita deixava a pia mais engarrafada que a Segunda Circular nos dias em que o Benfica e o Sporting jogam à mesma hora na Luz e no Alvalade XXI). Portanto não nos falta nada para fazermos umas  bombas caseiras como os doces conventuais, rapazes."
Os elementos inapelavelmente anti-sistema do IRRA reuniram aqueles inocentes e inofensivos ingredientes e deitaram as mãos à obra bombástica na cozinha  labotarial do 10º andar panorâmico do Lote 69. O trabalho  potencialmente explosivo deles era algumas vezes perigosamente delicado devido à curiosidade da secretária Victoria Rabanova, que ao espreitar sobre os ombros dos três intratáveis perseguidores dos políticos anti-corruptos roçava com os seios altamente alpinos nas costas dos homens ocupados, o que lhes fazia tremer as mãos e desconcentrarem-se das misturas e das quantidades exactas das fórmulas. 
O primeiro engenho explosivo foi confeccionado a partir de um cocktail de diluente, álcool e tinta da cabelo e cuidadosamente arrumado numa prateleira atrás de um frasco de malaguetas e de uma lata de cogumelos. O segundo era mais perigoso e potente, um triperóxido de triacetona, composto de ácido súlfurico extraído do desentupidor das retretes, peróxido de hidrogénio mais popularmente reconhecido e usado como água oxigenada e acetona. Este TATP (nome técnico dado pelas polícias de todo o Mundo) é particularmente mortífero e foi armazenado atrás de latas de dobrada e grão com mão de vaca já cozinhadas compradas no mini-mercado. O arsenal do IRRA começava a compor-se no armário da cozinha da sede do IRRA. 
De repente, um estrondo ribombante ecoou pela casa. Os três amigos atiraram-se de imediato para o chão com reflexos ainda não muito afectados pela idade e por coincidência, ou talvez não, ficaram todos estendidos sobre a escultural secretária Victoria Rabanova. "Morremos?", perguntou ela quase asfixiada sob o peso de Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa. Olharam uns para os outros até descobrirem que a origem do barulho tonitruante fora causado pelo irrequieto gato "Átila", que atirara ao chão o vaso com orquídeas que a Victoria Rabanova colocara no parapeito da janela que dava para o terraço. 
O bombástico IRRA estava preparado para qualquer eventualidade.












sexta-feira, 15 de julho de 2011

A secretária do IRRA (capítulo 2 e FIM)



A estonteante, feérica e inesquecível noite anterior deixou bem vincadas as suas marcas na horrivelmente  macabra organização do IRRA. Al Trokas saiu de casa absolutamente desvairado e alucinado com os incontáveis  desencontros nocturnos e esperou na esplanada do Lelo, varrida por uma nortada de final de tarde típica da zona nos meses de Verão que levantava nuvens de pó e lixarada de gente selvagem, descuidada e alérgica aos caixotes do lixo municipais --  uma negociata porca e suja de milhões aos quais os autarcas não resistem em meter as patas na esterqueira do dinheiro pegajoso -- pelos vadios companheiros, sr. Santos e sr. Costa, os malandros  incontactáveis quando Al Trokas lhes lançou um S.O.S. dramático devido à angústia da  falta de cigarros. 
O inspirador do sinistro e obscuro IRRA tamborilava com os dedos na mesa, o que não augurava nada de bom. Ainda fumava os restos do "puro" cubano que sacara das beiças do Lelo nessa manhã de má memória. O gerente do café-restaurante "Dentada" bufava as preocupações como um touro prestes a investir no capote de um matador inexperiente nas festas de Barrancos, sentado, numa cadeira afastada, praguejando em surdina contra a falta de comensais para os seus elaborados pratos do dia, sopa de cenoura mais aguada que um dia de chuva tropical desde que o "El Niño" virou o clima do avesso, costeletas de borrego tão minúsculas que se duvidava se não seriam do caniche desaparecido da Dª Custódia, uma octogenária que em tempos (muito) idos posava nua para supostos pintores ávidos de "algo" mais físico do seu, nessa época, belo corpo do que umas meras pincelas para reproduzi-la na tela do desejo, e ainda, no menu, douradas cozidas com um aspecto escanzelado e uma cor amarelada, sinais exteriores de putrefacção que auguravam umas idas apressadas ao WC horas depois de serem ingeridas e pagas a preço de ouro por algum esfomeado disposto a tudo e a todos os riscos. 
"Não queres levar nada hoje, Trokas ?", gemeu entredentes o desesperado empresário da restauração, depois de correr do seu estabelecimento, com berros e ameaças de umas umas valentes chapadas, quatro criancinhas  suadas,  sedentas, extenuadas  de andarem a jogar à bola no pátio adjacente ao Lote 69 que lhe pediram timidamente um copo de água. 
"Não quero nada, aldrabilhas -- resmungou-lhe Al Trokas -- Em vez de estares em casa a aquecer os pés à tua mulher quando te liguei a pedir cigarros andavas na borga no bar de streap-tease com a Filomena, a tipa africana do Lote 22, que lá trabalha a mostrar o coiro para fazer arregalar os olhos aos gulosos como tu e depois queixas-te da crise,  mas não há crise para andares a pagares-lhe garrafas de champanhe antes de te ires enrolar com ela no motel chungoso da Costa da Caparica". 
"Ó Trokas -- choramingou ele ao coçar os poucos cabelos sobreviventes  às stressantes crises de  falta de notas que se vejam e contem na caixa registadora -- Se eu soubesse que estavas aflito com falta de cigarros até te tinha trazido um pacote em mão à tua casa. Tenho ali um peixinho fresco que podes levar para o jantar e como andas a fazer dieta até te faz bem". 
"Lelo, fazer dieta é comer pouco e bem, não é chupar as espinhas daquele peixe rasca, raquítico e malcheiroso que tens para ali congelado desde o Verão passado", despachou-o Al Trokas, mai-lo seu menu de qualidade altamente suspeita. 
"Bom dia", saudaram o sr. Santos e o sr. Costa quando chegaram à esplanada despida de clientes, excepto o lugar onde se acoitava o amigo da velha dupla de perigosos e activos membros anti-sistema político e não só...
"Vão-se quilhar", resmungou Al Trokas para os dois moinantes que tinham passado a noite no deboche com umas assanhadas lascivas da pior espécie e não atenderam as chamadas angustiadas do insurgente descontrolado com a falta de nicotina. 
"Alteraste a senha e a contra-senha, Trokas? E não nos avisaste porquê?",  inquiriu o sr. Santos, deixando-se cair com estrondo na cadeira, ainda exausto da ginástica dos prazeres com a irrequieta companheira da noite. 
"Mudei a senha e a contra-senha? Onde foste buscar essa baboseira, velho traste traidor que te estiveste a cagar para mim ontem quando te procurei para me arranjares um cigarro?", ripostou Al Trokas, ainda inconformado com o silêncio dos amigos às suas preces por um maço de qualquer coisa que deitasse fumo. 
"Então, dissemos-te "bom dia" (a senha do IRRA para os distraídos desta saga heroicamente revolucionária) e tu respondeste "Vão-se quilhar"...Isso é uma nova  contra-senha?", recordou o sr. Costa. 
"É a realíssima p...", interrompeu a frase eventualmente chocante aos ouvidos mais sensíveis e aos leitores mais púdicos quando uma mão lhe tocou no ombro. "Olá, meu querido, vim fazer-te uma surpresa hoje, vamos jantar ali ao nosso sítio do costume? Estou com saudades do pão torrado com alho e da lasanha à luz da vela contigo". E deu um par de beijos sonoros nas faces cobertas de barba por fazer do Al Trokas. 
"Desculpa, Mariana, não estava à tua espera e hoje estou aqui a tratar de um assunto importante com estes dois marmanjos que já conheces", justificou-se numa voz irreconhecível e subitamente adocicada do normalmente áspero terrorista. A Mariana, no entanto, era uma pessoa muito especial para Al Trokas, embora o primeiro contacto não augurasse qualquer relação de amizade mais ou menos colorida. 
"Vá lá, tratem dos vossos assuntos esquisitos, que eu espero", conformou-se a Mariana com uma caricia no cabelo despenteado do excêntrico amigo. 
"Meu caros -- informou Al Trokas -- o IRRA está a expandir-se como nunca pensei que fosse possível e já temos um apoiante no Egipto que nos segue no nosso site. Não acredito que seja o Manuel José porque ele mal tem tempo para os treinos da equipa dele, o Al-não-sei-quantos. Portanto, só pode ser um daqueles tipos que esteve na praça El-uma-gaita-qualquer até o ditador  do Mubarak se pisgar para a estância do Mar Vermelho e agora votarem num outro mafioso explorador de múmias até se chatearem com o ar do gajo e voltarem novamente à praça do bota-abaixo. Dei por isso há bocado quando estava na net a pesquisar as revoluções mundiais e apareceu-me uma maluca a convidar-me para uma sessão de sexo virtual e mandei-a ir esfregar-se no cavalo do D. José no Terreiro do Paço. Decidi que precisamos de uma secretária para os assuntos administrativos". 
"Ó Trokas, para arranjarmos uma secretária vamos ali ao IKEA...", interveio o sr. Santos. "Ou à Moviflor que também são baratas", acrescentou o sr. Costa. 
"Não é dessas, seus  desgovernados mentais -- irritou-se Al Trokas -- é de uma mulher, uma senhora, uma menina, uma empregada para tratar do expediente. Nós somos operacionais, não podemos perder tempo com assuntos mesquinhos de tratar de papelada, atender telefones, consultar a agenda para verificar datas livres para manifestações, insubordinações, atentados e essas cagadas que um grupo de brigadistas revolucionários como nós deve fazer."
"Uma mulher secretária, não é mal pensado...", sussurrou o sr. Santos. "Pois não, interveio o sr. Costa -- não podemos dispersar-mo-nos com ninharias e limpezas, elas são melhores a mexer nas esfregonas e a escolher os detergentes". 
Sempre prático, Al Trokas pegou no "Jornal de Notícias", procurou as páginas de empregos sem dar muito trabalho e foi ditando: "Procuro trabalho compatível com a minha experiência profissional de administrativa. Possuo 12º Ano, Carta Condução, Disponibilidade total"
"Disponibilidade total para quê?" -- perguntou o sr. Santos, obviamente com segundas intenções. "Deve ser para todo o serviço -- chalaceou o sr.Costa -- é pena não ter fotografia para ver se era boa para os serões".
"Isto é um assunto sério -- impôs-se Al Trokas enquanto tomava nota despercebidamente do número de telemóvel de uma dupla de exuberantes brasileiras que ofereciam os seus doces sabores tropicais aos audazes que as enfrentassem num ardoroso jogo de almofadas -- Trabalho é trabalho, revolução é revolução, colchão é colchão, gajas são...!"
A porta do Lote 69 abriu e fechou-se com um violento estrondo. Um vulto de fato-macaco salpicado de branco da cabeça aos ténis corria aos saltinhos na direcção de Al Trokas e os amigos, esbracejando histericamente como uma virgem apalpada por um marujo no Cais do Sodré quando se enganou na porta e em vez de entrar na santíssima igreja, onde  ia confessar ao padre de serviço o terrível pecado de ter espreitado pelo buraco da fechadura o primo a tomar banho e sentiu pela primeira vez uma estranha sensação nunca antes experimentada de comichão interior na ponta dos dedos sob as unhas das mãos trémulas ocasionado pelo choque psico-pessoal de descobrir que o primo faz xi-xi de pé, entrou de rompante pelo infernal bar-dancing  e mais-qualquer-coisa Jamaica cheios de fiéis crentes em deusas ou deuses que os levem ao paraíso dos suspiros, onde uma mão crespa da água do mar lhe entrou pelo decote generoso da camisola em V e andou às voltas sob a roupa leve  da moçoila até sair satisfeita pelos achados encontrados.
"Não é o tipo que anda a pintar a nossa sede lá no 10º andar?", perguntou o sr. Santos, fixando o olhar na fantasmagórica mancha humana que se aproximava rapidamente da mesa dos intratáveis elementos do retumbante IRRA. 
"É ele -- confirmou o sr. Costa -- O gajo trabalha depressa...Já pintou aquilo tudo em menos de meia hora?" 
O vulto esbranquiçado e gaguejando palavras soltas e incompreensíveis  tal qual  Dionísio, o deus romano do vinho que ressuscitou da morte (alcoólica?), passou em plena aceleração pela esplanada do Lelo e desapareceu em movimento uniformemente apressado avenida abaixo sem explicar aos contratantes do IRRA o motivo desta insólita atitude e tamanha e rápida fugida, deixando para trás um rastos de pincéis, rolos, trinchas e pingos de tinta. É certo, como descrevi no capítulo "A Sede do Irra" desta saga, que o 10º andar tem a fama de ser uma casa onde se desenrolam fenómenos sobrenaturais e também foi graças as essas assombrosas assombrações  que Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa garantiram o espaço vital para quartel-general da organização que faz estarrecer os líderes mundiais responsáveis pela crise globalizada. 
Mas, desta feita, o terror que se apossou do pintor contratado pelos serviços administrativos provisórios do IRRA foi causado por um motivo muito mais terreno, sem intervenções de espíritos malignos ou almas perdidas dadas à folia. O autor da fuga desesperada do sr. Ramalho, veterano de muitas pinceladas em paredes e em donas das ditas cujas, foi o "Átila", uma gatarrão que o sr. Santos adoptou junto a um caixote do lixo na Praia das Maçãs e levou para casa, onde cardumes sucessivos de lombos de pescada congelada, o desenvolveram até atingir um porte considerável e um peso de 9,858 kgs de saudável e ágil musculatura felina. O bichano, uma cópia fiel do "Silvestre" da Warner Brothers, preto com o peito, as pontas das patas e da cauda brancas, tinha uma vincada personalidade vincada de "amor" ou "ódio", sem meio termos nas suas relações com os humanos ou os outros animais, excepto a "Bomboca", a insinuante e ciosa gata da vizinha a condizer do rés-do-chão. Quando o sr. Ramalho entrou no panorâmico apartamento onde se organizam algumas das mais violentas acções de insurreição a que o Mundo jamais assistiu, o "Átila" emboscou-se com a habilidade de um temível e sanguinário guerrilheiro experimentado em destroçar invasores das forças ocupantes do neo-liberalismo selvagem que impera neste mundo materialista, esperou que o pintor subisse uns degraus no escadote para dar uma demão no tecto branco imaculado da sede do IRRA e num salto digno de um campeão do mundo animal aterrou com as garras no pescoço do operário das pinceladas, afinfou-lhe os caninos afiados como agulhas nos queixos, desfez-lhe a camisa em tiras com rapidíssimas e  dilacerantes arranhadelas com as patas traseiras, enquanto se segurava com as unhas cravadas na face do infeliz, que malhou com os costados no chão de uma altura considerável, urrando de dor e com o vermelho do sangue a escorre-lhe sobre a tinta alva entornada da lata da Robialac que lhe tombou em cheio sobre o peito cabeludo. 
Atormentado e combalido pelo ataque relâmpago do "Átila", o sr. Ramalho reuniu as últimas forças para se escapulir da fera sanguinárias que o perseguia e disparou pelas escadas abaixo, ultrapassando cada lanço de escada de um salto, sem nunca largar o pincel, embatendo e derrubando a dona da fracção do 4ºA, Victoria, uma romena eslava deslumbrante que "atacava" (o pessoal da noite sabe o significado do termo) no Hotel Intercontinental em Bucareste que se mudara há meia dúzia de meses para o Lote 69 mas mal se via a circular por ali até que foi despedida de recepcionista de um resort de luxo no Algarve por ter enfiado um par de latadas nas ventas de um atrevido pato-bravo de Corroios que lhe tirou as medidas aos proeminentes seios com as patas grossas de ex-pedreiro e ladrilhador na já longínqua juventude só superados em forma e perfeição pelas ancas em forma de rotunda do Marquês de Pombal à hora de "ponta", saindo do prédio como um F-16 da NATO perseguido por um míssel terra-ar das tropas de Kadhafi, passando com um raio de luz pela esplanada, onde, como escrevi há não sei quantas linhas atrás, Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa procuravam uma secretária para o abominável movimento ultra fundamentalista do IRRA. 
Antes que os três anarco-nacionalistas se levantassem para ir investigar o motivo daquela reacção do sr. Ramalho, chegou a Victoria, ainda combalida pela queda provocada pelo fugitivo fora de si quando regava as plantas nos vasos junto à sua porta. Al Trokas convidou a maravilhosa deusa romena a sentar-se para recuperar, ao que ela acedeu, sentando-se junto deles. Cruzou as pernas longas e harmoniosas como a Ponte Vasco da Gama e puxou a cabeça para trás fazendo esvoaçar os longos cabelos castanhos claros e fechando os grandes olhos rasgados cor de mel suspirou de tal maneira fundo que os seios perfeitos e redondos como as meloas do mini-mercado  do sr. Marques, nas traseiras do Lote 69, ameaçaram libertar-se da camisa justa e aberta até ao quarto botão para o ar livre da natureza, o que deixou Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa de respiração suspensa. Não saíram...Para desilusão do trio de guerrilheiros anti-sistema. 
Victoria bebeu em pequenos tragos um vodka com laranja e gelo e depressa se recompôs do vendaval que a derrubara. 
"Obrigado, vizinhos -- agradeceu num português absolutamente correcto que brotou dos seus lábios grossos e desenhados na perfeição no rosto triangular --que dia terrível, fui despedida e agora levei uma pancada".
"Despedida?" -- inquiriu Al Trokas. Ela relatou a sua triste história aos capangas insubordinados do IRRA. 
"O que é que a menina sabe fazer?", quis saber o sr. Santos, que não conseguia desviar os olhos daquele vale profundo formado entre os seios fartos de Victoria. "Sou formada em Línguas (mortas e vivas...especialmente estas), História e Administração Política pela Universidade de Bucareste", respondeu a vistosa romena, omitindo como conseguira 20 valores em todas as disciplinas, teses e doutoramentos nas provas orais e sobretudo pela via oral a alguns examinadores mais exigentes nas traseiras da instituição no banco dos Dacia e dos Trabant nos tempos do ocaso do ditador Ceausescu. 
"Não estaria disposta a trabalhar para nós numa organização anti-política já que é formada em política?", convidou Al Trokas, ansioso por uma resposta positiva. 
"Onde?", quis saber a elegante mulher do Leste. "É no nosso Lote 69, lá em cima no 10º andar, nunca lá foi espreitar?", interveio o sr. Costa, mirando pela milésima vez as pernas esculturais da espantosa mulher. 
"Aceito -- disse ela com uma voz irresistivelmente rouca -- Victoria Rabanova ao vosso serviço". 
O IRRA tinha, finalmente, uma secretária para os serviços administrativos, com um salário de 485,98 euros limpos, mais 25,76 euros por serão (ai serão, serão...e muitos), almoço por conta da temida organização no restaurante do Lelo, e percentagens de 10% a 19,87% nos assaltos, raptos, assassinatos, atentados, torturas, extorsões, invasões, subversões, manifestações, revoltas, insurgências, golpes de Estado, golpes de mão e na mão, etc., dentro do horário de expediente. 
O sr. Santos e o sr.Costa subiram ao 10º andar para apresentar as instalações a Victoria Rabanova, Al Trokas foi jantar à pizzaria com a Mariana que tivera a pachorra de esperar todo aquele tempo (um mistério que o magano nunca desfaz) e o "Átila" tentava fazer uma nova ninhada à gata com o cio da vizinha . No horizonte o sol vestia o pijama para uma noite de descanso e o Lelo arrumava a esplanada depois de um árduo dia de trabalho em que conseguira  retirar 21,46 euros da caixa registadora alérgica às Finanças...







terça-feira, 12 de julho de 2011

A secretária do IRRA (capítulo 1)



O IRRA esteve inactivo 24 horas. Não para descansar ao sétimo dia que por aqui essas mordomias burguesa-corruptas não são permitidas pelos estatutos da organização ferozmente anti-tudo-e-todos mas porque o Al Trokas andava irrascivelmente irado por lhe ter faltado o tabaco antes de se ir deitar, na outra noite antes desta...Ou na anterior...Bem, para o caso tanto faz. Também não sejam picuínhas que eu não sou o rato de bibliotecas do Fernão Lopes. O homem, que até andava calmo e sereno, como Cavaco Silva com o país a escorregar pelo abismo financeiro e em riscos de se estatelar com os costados na "lixeira" cavada pela Moody's, ficou pior que uma fera enjaulada, muito mais agressivo que José Sócrates quando o antigo primeiro-ministro espezinhava verbalmente os adversários políticos na Assembleia da República, quando ia fumar um cigarro sentado na retrete já preparado para se esticar na cama para um merecido descanso no final de um dia apocalipticamente revolucionário. 
Após 1428 voltas à casa a desarrumar sofás, móveis, prateleiras, frigoríficos, máquinas de lavar, arcas congeladoras, mesas, cadeiras e camas sem cheirar um cigarrinho que fosse, Al Trokas ligou para o Lelo, o desenho animado tipo sapo Cocas  e semi-falido dono do café-restaurante "Dentada".  Atendeu a mulher, que, com a voz melada de sono e das bolachas de chocolate que devora como uma doida para atenuar as carências da falta de atenção do vadio do marido, dizendo "o Lelinho não está". 
"O Lelinho não está, o Lelinho não está", resmungava Al Trokas atirando um pontapé num cabeça de cavalo em gesso oferecido com uma dedicatória de "amo-te para sempre" gravado na base pela Catarina, uma gorda mas  atraente morena incansável e insaciável por "aquilo" que "todos os bichinhos gostam", secretária de Administração de um empresa de comunicações, lugar que preencheu depois de passar pelas mais diversas camas, desde o espertalhão do estafeta, o Reinaldo, um quarentão mais sabido que um burro velho (ah julgavam que esses orelhudos de quatro patas eram burros mas estão muito enganados) ao leito de um quarto de motel espelhado ali para os lados de São Brás, onde foi obrigada a usar de todas as suas habilidades para fazer erguer a velha e decrépita virilidade do Dr. Domingos, para se sentar no lugar que hoje ocupa. A Catarina, cuja alcunha era, e é, "Apita o Comboio", por motivos mais que óbvios, era de tal maneira devassa e viciada que vinha em excesso de velocidade de Lisboa a Queluz "dar uma curva" com o Al Trokas. Num desses intervalos para almoço, a esfomeada, extenuada de saltitar de colchão em colchão, caiu redonda sobre o inconformado co-fundador do IRRA quando "brincava aos cavalinhos" com o atrás citado e ficou desnuda, inerte, com os olhos revirados a respirar ofegantemente nos seus braços. Al Trokas ainda ligou para a secção local da Protecção Civil, onde (faz que) trabalha  a púdica Dª Rosa, já nossa conhecida, mas, mesmo omitindo alguns pormenores mais picantes sobre a origem da "doença" da desfalecida, a chefe de turno daquele instituto público corou violentamente e ficou a arfar e a abanar-se agitadamente com uma capa de plástico A4 com a inscrição República Portuguesa - Mensagens secretas, hesitando entre chamar o bombeiros para a morada indicada ou ligar para o Hélio, um antigo namorado que não via há 12 anos, desde que fugira com uma professora para Braga mas já voltara ao Casal de São Brás quando ela se fartou de passar os sábados e os domingos a aturar os jogos de futebol na Sport TV que ele devorava alapado ao sofá, para ele lhe aliviar daquela fornalha ardente que a consumia desde que o Al Trokas lhe forneceu algumas informações sobre o que estava a acontecer num andar sossegado (mas não muito) do Lote 69 a meio do dia. Felizmente a Catarina recuperou enquanto Al Trokas e a Dª Rosa estavam ao telefone a combinar um meio rápido de socorro, mas a "vitíma" apareceu na sala já refeita, sorridente e mais carinhosa e dengosa que nunca, envergando apenas a pele morena e passando as mãos pelos cabelos curtos e negros como breu. Passou provocadoramente a língua pelos lábios e perguntou numa voz muito baixa e melada: "Aconteceu alguma coisa? Por que fugiste da cama, meu tigre da Arábia?". Queria dizer da Malásia, que tigres na Arábia é como encontrar camelos no Pólo Norte", mas, enfim, ninguém é perfeito e cada pessoa nasce para o que é. 
O Al Trokas, como descrevia há uns parágrafos atrás, fora de si pela falta de cigarros, deu um pontapé na cabeça de cavalo de gesso e apesar de estar descalço o objecto voou à velocidade da luz contra um jarrão chinês XXL, postado no hall de entrada da sua fracção, desfazendo-se em mil pedaços na tijoleira do chão, provocando uma barulheira semelhante à de um prédio a desabar com um terramoto de 9,3 da escala de Richter, estardalhaço amplificado um ror de vezes no silêncio pacato e sereno de uma noite morna de Quarto Crescente. 
O vizinho de baixo, um tipo misterioso e deprimido que se enfiou em casa, deixou de trabalhar desde que a mulher o deixou e só sai à vida pública para ir buscar alguma coisa que se coma à churrascaria no fim da avenida, meteu finalmente o nariz fora da porta, sem ser para ir buscar o frango assado com molho de piri-piri, e bateu à porta do Al Trokas com aquele ar infeliz que só os homens cujas mulheres fugiram sem avisar e nem deixar um simples bilhetinho com a palavra "adeus" têm e perguntou, muito timidamente em voz sumida: "Ó vizinho, aconteceu alguma desgraça?"
"Claro que aconteceu, porra, não tenho cigarros, merda, você fuma?", explodiu o Al Trokas, dando um pontapé num caco do valioso jarro chinês no tempo em que não havia, lojas desses gajos cá em Portugal e as peças do Oriente eram valiosas e proporcionavam um certo estatuto e não eram sinónimo de pelintrice foleira com actualmente. O destroço passou a rasar a orelha do furtivo vizinho em pijama, que se escapuliu rapidamente para a segurança do seu refugio ao verificar que Al Trokas estava decidido a aparecer na primeira página do "Correio da Manhã" entre as centenas de criminosos que diariamente se acotovelam na capa daquele matutino. 
Al Trokas foi bater à porta do sr. Santos mas respondeu-lhe um silêncio confrangedor. O sacana do amigo tinha saído com uma tipa meio maluca do prédio da farmácia, uma matrona que tinha a mania de empurrar os carros mal estacionados com o jipe do estacionamento do seu prédio para o meio da rua, onde os deixava ficar estacionados sem conhecimento do dono. Por duas vezes ocorreram acidentes com esta brincadeira mas ela safava-se sempre de problemas com a Polícia porque era frequente  o dono da farmácia fazer-lhe uma visita às duas da manhã  para lhe dar uma ou duas "injecções" de produtos naturais...Enquanto o Al Trokas tocava desesperadamente na campainha da porta do sr. Santos, este encontrava-se no parque de estacionamento da praia de Carcavelos dentro do Renault Clio da serigaita, com ela ao colo e a cabeça com os cabelos castanhos escuros ao vento e os olhos cerrados para melhor saborear as delícias e os espasmos do momento. 
Da fracção do sr. Santos, Al Trokas subiu à fracção do sr. Costa, o amigo e terceiro elemento do inapelável IRRA. A campainha rugiu como um carrilhão na placidez da madrugada. Uma, duas, três...dez, onze vezes. Nada. Nem um murmúrio lá de dentro. Abriu-se a porta do lado oposto do piso onde reside um casal de Testemunhas de Jeová. O marido de pijama às riscas e esquelético como um sobrevivente de Treblinka e ela dois palmos malta e 43,865 gramas mais forte procuraram saber o que eu pretendia àquela hora e com o reboliço que estava a enervar todo o Lote 69. "Têm cigarros?", perguntou asperamente Al Trokas. "Não fumamos", responderam ao mesmo tempo e fecharam logo a porta anti-roubo e blindada, quando viram, atemorizados, o ideólogo do IRRA dar um pontapé num cacto viçoso, indiferente aos picos que se cravaram nos pés calejados por milhares de quilómetros descalços nos rochedos graníticos  e dos terrenos lavrados pejados de restolho do trigo acabado de ceifar nas longínquas paragens da Beira Baixa e mais tarde nos caminhares intermináveis com botas da tropa por serras e matas de aquém e além mar. 
O javardo do sr. Costa também se escapulira nessa noite do Lote  69 sem avisar os amigos. Não estava longe, o patife.  Tinha combinado,  subrepticiamente, uma jantarada em casa da cabeleireira que lhe cortava as unhas dos pés e lhe aparava as farripas de cabelos e as apalpadelas no rabo empinado quando não estava nenhum freguês ou freguesa presente no estabelecimento. A Raquel era fininha, 36 anos bem vividos, cabelos compridos sempre segundo os regulamentos da moda, olhos grandes, nariz de judia, lábios finos numa boca grande e prometedora, mãos delicadas e suaves como veludo, cintura de vespa transmontana do concelho de Miranda do Corvo, pernas feitas não por Deus mas por um estilista tipo John Galliano  e vestia-se de um modo escandalosamente provocante, nunca se sabendo se estava meio vestida ou meio despida. 
Após um jantar à luz de velas no 3º andar da galdéria da cabeleireira em que o sr. Costa se alambazou com uma feijoada de gambas depois de uma sopa de marisco com pão torrado e antes de um semi-frio de chocolate com natas, que fariam corar de vergonha o Lelo e as suas sopas aguadas, peixes pré-putrefactos com odor a fénico e carnes provenientes das mais provectas vacas, porcos e borregos, os dois encaixaram-se na carpete farfalhuda à luz bruxeleante que iluminavam as posições do kama sutra e da saudosa revista "Gina" ao vivo e a cores esbatidas mas muito activas...
Farto e cansado de subir escadas e andar pela rua deserta à procura de um rufia qualquer que lhe fizesse o obséquio de lhe dar um mais que desejado cigarro, Al Trokas, desanimado, deprimido mas capaz de ir às ventas ao primeiro que lhe desse as "boas noites" mas não tivesse cigarros, enfiou-se no elevador. A noite, no entanto, era mesmo azarada. O elevador encravou entre o 2º e o 3º andar. O malvado do Schindler, que ainda há duas semanas fora reparado por um mecânico de sobe-e-desces suspeito da Pontinha, não tugia nem mexia. E Al Trokas, claustrofóbico desde uma cena macaca em que ficou soterrado e da qual se salvou por obra e graça de um cão do Exército, berrou, esmurrou e pontapeou a porta, premindo o botão de alarme até este ficar enterrado no buraco do painel de comando, provocando um escarcel tal que, quem ainda não acordara com a agitação  do Lote 69 até então, despertou abruptamente para não mais pregar olho até ser hora de sair de casa. 
Mas quem não saía nem por nada de dentro do acanhado elevador era Al Trokas. A porteira estava de férias e não lhe podia acudir. Os outros condóminos do prédio não se encorajavam a ir à escada investigar a origem da turbulência nocturna. Os bebés do 1º, 3º, 4º, 7º e 8º andares berravam desalmadamente, os cães do 1º, 2º, 5º,6º e 9º andares ladravam e ganiam com todo o fôlego canino. As luzes de todas as fracções acenderam-se. O pandemónio dos berros, murros e pontapés do Al Trokas encarcerado, os uivos dos cães e os choros convulsivos dos bebés faziam estremecer o Lote 69 e as suas grandes vidraças exteriores. Às 8h07 da manhã, finalmente os bombeiros abriram o raio da lata prisional de onde saiu um Al Trokas completamente destroçado pela noitada infernal e as atrocidades que o destino lhe guardou para essas horas de desespero. Só o seu estoicismo revolucionário lhe permitiu resistir. 
"Tem um cigarro?", perguntou Al Trokas ao bombeiro-salvador. "Não fumo", respondeu este, "Mas olhe que o café já abriu porque vi o dono a levantar as grandes e estava a fumar um charuto", informou o soldado da paz. Al Trokas reuniu as últimas forças e, mesmo descalço, em cuecas e de t-shirt entrou pelo café do Lelo dentro como um furacão e arrancou-lhe o longo charuto da boca perante a estupefacção do dono da "Dentada". Quando toda a gente do Lote 69 foi mal dormida e rabugenta para o trabalho, Al Trokas subiu, a pé pelo sim pelo não, até á sua casa cheia de cacos chineses por todo o lado, mas indiferente a esse caos, sentou-se no sofá, fumando avidamente o precioso charuto. Depois adormeceu. 

(Esgotado, este capítulo continua amanhã...ou depois...uffff !)

sábado, 9 de julho de 2011

MOODY'S : Comunicado do IRRA !


Os três insurrectos e implacáveis fundadores do subversivo e clandestino IRRA (Intervenção Revolucionária da Resistência Anárquica, para quem já nem se lembra onde deixou os sapatos depois de chegar a casa depois de mais um dia de angústia no emprego, que o trabalho cansa como poucas actividades conhecidas, com a ansiedade no auge porque as sonhadas e desejadas férias nunca mais chegam e daqueles cuja memória de elefante desceu no  rating da ginástica mental ao nível do frango de aviário e já nem sabe mudar as pilhas do comando da televisão sem recorrer ao livro de instruções ou à jovem e vivaça vizinha do lado), ao contrário de 10.567.864 dos restantes 10.567.861 portugueses espumaram de raiva, bateram com as mãos na mesa e deram violentos pontapés nos canteiros em frente à esplanada do Lelo quando tomaram conhecimento da decisão tomada por uns mafiosos "cowboys" impotentes até para fazerem uma mijinha sem molhar as patas calçadas com sapatos de pele  do lusitanissimo Vale do Ave em atirar Sintra, o concelho onde estão implantados os alicerces do insubstituível  e histórico Lote 69, o sémen que fecunda a insurreição mundialmente global dos fracos, anémicos, subnutridos, desdentados, desvalidos, esqueléticos, desesperados, sem cintos nas calças, descalços, suados e esgadelhados oprimidos de todo os cinco cantos e recantos do Mundo, para uma  repelente e nauseabunda, como os hamburgueres do talho do Zeca das Vacas, "lixeira" por uma agência de notação Moody's que não passa de um coito de cornudos e galdérias indiferentes à nossa gloriosa e heróica História de 850 e não sei quantos anos, não posso precisar bem porque não tenho um calendário à mão e o professor José Hermano Saraiva já está a dormir a esta hora. 
Com a raiva acho que me perdi no relatos dos violentos acontecimentos aqui do sítio. Siga...
Bom, mas como é possível considerar "lixo" o Cabo da Roca, onde à noite, casais cujas alianças não coincidem na forma e no design descarregam o "stress" matrimonial do dia-a-dia com os (as) caras-metades que ficaram a fazer serão ou trabalham por turnos e deitam para o meio das rochas o produto embalado numa borracha macia em forma de charuto, que deixam os putos (muito putos mesmo que as novas gerações não são tapadinhas como as anteriores) no outro dia de manhã a pular de alegria quando encontram um "balão" e os pais, aflitos e atarantados, lhes berram "largaaaaaaaa issssssssu, é porcaria!!!". A criança não acredita mas lá larga o achado que a fizera feliz por uns segundos.
Como é possível esses atrasados espaciais e mentecaptos genitais dos yankees terem a coragem de amarrotar e deitar para o cesto do "lixo" o Palácio da Pena, fruto do trabalho ardiloso de um rei consorte que o desenhou nos intervalos de emprenhar a rainha a sério que era uma espécie de Cavaco Silva no feminino que falava não com a boca cheia de bolo-rei mas sim com Fofos de Belas ou Trouxas da Malveira, juntamente com restos do McDonald's, latas de coca-cola vazias, lenços de papel ranhosos, relatórios da CIA desactualizados e fotos do Obama rasgados por republicanos empedernidos e pastilhas elásticas já duras como os chavelhos de um boi de rodeo do Texas? 
Al Tokas, fora de si, atirou com o seu telemóvel de 1ª geração Motorola (uma marca americana), já descrito num capítulo anterior (não me lembro qual por causa dos nervos...), contra a montra do Blockbuster (clube de video de uma marca americana, onde o manhoso do enfermeiro do 6º andar requisita filmes moralmente degradantes para tomar coragem para se meter na cama com a mulher, feia como o José Castelo Branco em babydoll e mais estúpida que uma escada rolante em movimento  sem gente a utilizá-la), ignorando os berros do gerente do estabelecimento, um reformado asqueroso que um dia foi preso no Metro, nas estação das Picoas,  por exibir fora da braguilha um órgão ridiculamente  raquítico como uma borbulha a uma anafada cabeleireira histérica de Alfama, conhecida no bairro como a "Picapau" não se sabe bem porquê. Só desconfio...
O sr. Costa, esse, rugia mais vermelho que as camisolas do Glorioso na época áurea das vitórias na Taça dos Campeões Europeus no tempo do Marquês de Pombal. Mordia uma lata de Pepsi-Cola (outra marca americana) com energia vingativa incontrolável, idêntica à de uma ex-vizinha do 1º andar  quando descobriu que o marido ainda era escuteiro para passar as noites fora de casa e dentro da tenda com o chefe do Agrupamento 69. 
O sr. Santos não se controlou e enfiou um par de pontapés no Chevrolet (na verdade é um Daweoo fabricado na Coreia do Sul mas ainda assim não deixa de ser uma marca americana)propriedade do marido da dona da papelaria, um tipo ciumento e mal encarado que desconfiava (com ou sem razão não interessa para o rating vergonhoso do "lixo") da fidelidade da mulher e das longas horas que ela passava com o Al Trokas na arrecadação do estabelecimento. Uma manhã (o que andaria aquele terrorista fanático a fazer na rua àquela hora para ele imprópria para se circular na via pública?) ele entrou no espaço comercial da morenaça Dª Rita e enfiou-lhe um beijo na boca quando ela estava ao telefone e logo por azar (de quem nunca se chegou a descortinar completamente) a falar com o marido, que, desconfiado, ouviu no auricular o sonoro choucho e não acreditou minimamente que tinha sido o bebé da Dona Susana como a mulher lhe jurava a pés juntos e os dedos cruzados atrás das costas. 
Mais calmos, melhor dizendo, menos enraivecidos, Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa subiram ao 10º andar, se se lembrarem do que escrevi ontem é a nova sede do IRRA, e mesmo sem qualquer mobiliário e apenas com um papel e uma esferográfica BIC surripiada ao Lelo elaboraram um vigoroso, enérgico e ameaçador comunicado dirigido à Moody's. 
Começava assim: 
"À volta cá vos esperamos"
E terminava: 
Saudações revolucionariamente revoltadas do IRRA.
Assim mesmo; sem papas na língua!



sexta-feira, 8 de julho de 2011

A sede assombrosa do IRRA


Não sei se os seguidores da épica fundação do único movimento subversivo e misterioso português que aterroriza a classe política com rabos de palha e duvidosa idoneidade e os abusos de poder praticados pelo Estado e organizações satélites igualmente lideradas por escroques rapados dos vadios sem eira nem beira que se acoitam nos partidos políticos  sobre os infelizes e lixados cidadãos, o IRRA, já foram suficientemente espertos e argutos para deduzirem que o Al Trokas, o sr. Santos e o sr Costa  moram no mesmo edifício, o inigualável e concorrido Lote 69, embora em fracções diferentes. 
Aliás, os três fundadores do mais melífluo, cruel e activo grupo anti-sistema, e não só, têm um percurso de vida comum em várias fases da sua existência, desde a escola primária até à reforma antecipada por cansaço de tanto batalhar contra tudo e todos. Eles nunca foram de ficar de braços cruzados, resignados perante as injustiças e os vis assaltos à dignidade humana neste mundo cruel e ingrato, agindo sempre em defesa dos fracos e oprimidos, embora, aqui e ali, também tivessem feito as suas tropelias. 
O Al Trokas, aos 11 anos, revoltou-se contra o monopólio das livrarias, tabacarias e quiosque que vendiam as revistas da Walt Disney. Um dia faltou às aulas de Francês no Liceu Passos Manuel para surripiar na Bertrand, no Chiado, um almanaque do Tio Patinhas. Saiu de lá com ele escondido debaixo da gabardina sebosa e esburacada que já viera de geração em geração, do tio mais velho e rico, porteiro na Fábrica Nacional de Sabões, aos quais por acaso era alérgico e banho só quando chovia a cântaros.  O tio-avô usou-a trinta e dois anos até a ceder ao primo (filho do tio) e este, posteriormente, oferecê-la, a um outro primo ainda mais afastado e longínquo, sétimo filho na escala ascendente de uma prole interminável, 22 anos e sete meses depois. Isto  no tempo em que uma sardinha era dividida pelo chefe de família, a mulher, 13 filhos, a avó, dois casais de tios, uma tia viúva e a vizinha --  fizera o favor de trazer uma bilha de água da fonte e deixara pastar o burro enquanto se enrolava numa meda de feno com um lavrador cuja mulher tinha fugido com o cabo da GNR do posto da terra e andava com uns calores e umas afrontas insuportáveis até as descarregar entre as coxas da prestável mulher que pacientemente esperava que o recipiente enchesse do indispensável líquido, entre gemidos e suspiros de alívio  por lhe vasculharem as comichosas entranhas -- e ainda sobravam umas espinhas para o gato que apanhava roedores intrusos assaltantes das arcas do trigo. Por fim, uma eternidade decorrida, a gabardina lá foi parar ao definhado guarda-fato do petiz, agora um dos fundadores do implacável e desumano IRRA. 
O que o pobre do Al Tokas não sabia de todo era que estava a ser perseguido pelo guarda discretamente à civil da Bertrand, um polícia reformado compulsivamente quando foi apanhado pelo sub-chefe em flagrante delito a angariar clientes para uma casa de passe do Bairro Alto. O prostíbulo, localizado no segundo andar por cima do Tacão, uma mal afamada casa de fados vadios com uma freguesia a condizer. Por lá vadiavam desde meninas trazidas das aldeias beirãs com promessas de servirem como sopeiras em ricas casas mas  acabaram deitadas de barriga para o ar, entre outras posições menos convencionais, sufocadas com o peso de marinheiros há meses sem cheirar uma gaivota ou maridos já enjoados da "posição do missionário", sempre com a mesma pessoa.  Onde já ia o tempo em que esses fiéis clientes juraram amor eterno e fidelidade canina para todo o sempre, anos antes, no altar onde trocaram alianças, às esposas e agora renegavam os monótonos leitos conjugais. Mas também por ali pululavam candidatos a Alfredos Marceneiros fadistas, chulos de crista empinada com brilhantina atentos à contabilidade das "protegidas" sobre colchas imundas e de tempos a tempos lá aparecia o guarda-nocturno de giro, sempre à espera de uma "borla" para fechar os olhos às inúmeras infracções à lei que gravitavam à sua volta. 
O vigilante da Bertrand deitou a unha ao Al Trokas quando este tirou o almanaque do Tio Patinhas de dentro da histórica gabardina e arrebanhou-lhe o desejado troféu das mãos encardidas com a unhas pretas por andar a jogar ao berlinde no pátio do liceu com o menino Santos e o menino Costa mais  o João Velha, um garoto também da turma, que o avó, um ex-general maluco que o fazia saltar da cama às seis da matina para o obrigar a fazer ginástica e depois tomar banho de água gelada, quer fosse Verão ou Inverno. Farto dos continuados protestos e birras do desgraçado neto, o intratável militar internou-o num colégio interno lá para os lados de Abrantes e desapareceu de circulação.
Al Trokas ainda se escapuliu das garras de urso do guarda privado da livraria do Chiado , mas, por azar, a gabardina ficou nas mãos grossas e sapudas do homenzarrão e ele não podia chegar a casa sem a veste que já fazia parte do espólio histórico da família. Entre uma sova  monumental no lar doce lar e uma semana ou duas de castigo severo a dormir à porta, na escada escura embrulhado numa manta, e sem poder brincar com os amigos e entregar-se ao longo braço da Justiça, Al Trokas optou por esta segunda hipótese e foi levado por uma orelha até à livraria, onde prometeu que pagaria o malfadado mas desejado  almanaque do Tio Patinhas. Mas revoltava-o (era já a semente do contra a germinar) ser obrigado a pagar sete escudos e cinquenta centavos para se deleitar com 100 páginas que faziam a alegria da pequenada. 
No entanto, a longa noite do fascismo não permitia estas liberdades de pensamento e enquanto a avó comia as papas matinais fez um golpe de mão ao porta-moedas da velhota de onde não conseguiu mais que 3 escudos e 20 centavos. A situação dramatizava-se hora a hora mas a amizade dos meninos Santos e Costa prevaleceu e solidificou-se neste aperto. Os três, no dia seguinte, aproveitaram o intervalo das missas na igreja das Mercês, onde esteve enterrado o Marquês de Pombal até o cadáver "migrar" para outro sepulcro quiçá por falta de sossego naquele lugar com os cânticos missais, viraram duas caixas das esmolas até perfazer a quantia suficiente para pagar a revista dos desenhos animados e ainda sobrou o suficiente para um Olá fresquinho para cada um. Com o cadastro limpo, Al Trokas voltou ao liceu e às aulas da sua turma, onde foi aclamado como um herói por enfrentar a temida opressão salazarista. Afinal o que é um almanaque do Tio Patinhas comparado com os 10 mil contos que o revolucionário da LUAR, Palma Inácio, posteriormente deputado socialista após o 25 de Abril, que sacou de um banco da Figueira da Foz. 
Voltando às actividade do agitado parto arrancado a ferros do IRRA.  Após arrumarem os "dossiers" (ah pois é, "isto" é uma organização com cabeça, tronco e membros) da fundação, os estatutos, o hino e a bandeira do sinistro e camuflado grupo, houve que tratar da instalação de uma sede. Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa moram sozinhos mas a desarrumação totalmente anárquica das respectivas casas não permite nem a instalação de mais um carregador de telemóvel. 
Na esplanada do incansável Lelo, que forçava sorrisos amarelos avermelhados aos transeuntes na tentativa desesperada de angariar clientes para os seus menus magros em proteínas e gordos nos preços, Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa procuravam nas páginas de publicidade dos jornais um  apartamento para alugar e servir como sede do maléfico anti-corrupto IRRA. Porém, as atenções fixaram-se quase exclusivamente na foto de Nikoleta Lozanova, despida e sentada dentro de uma baliza,  a namorada de um dos reforços do Sporting para esta época, o búlgaro Bojinov, uma pérola morena com mais curvas perigosas que a estrada do Marão, que augura muita agitação pelas bandas de Alvalade e não só. 
Nessa altura passou por eles a Adelina, hóspede do 10º andar, o mais alto do Lote 69, com uma vista panorâmica de 360º. Esse magnífico apartamento tinha, porém, a fama de estar assombrado e a Adelina andava chupadinha das carochas, escanzelada, ar cadavérico, cabelos escorridos, roupa descuidada até aos pés para encobrir a pouca carne e os muitos ossos, a modos como os pratos servidos pelo Lelo, que se arrastava penosamente apesar de ainda não ter completado os 40 anos. Dizia-se que ela não dormia de noite devido aos acontecimentos extraordinários ocorridos naquela casa, desde portas a bater, armários a abrir e a fechar portas e gavetas sozinhos, livros a voar pela sala, móveis a mudar de local, tapetes voadores como no filme "O Ladrão de Bagdad", sombras estranhas e arrastar de correntes. Contou a porteira a alguém que depois também deu à língua, que viu o último namorado da Adelina a sair do prédio numa corrida louca, com uma peúga calçada na pé esquerdo, as cuecas pelos joelhos, o "berimbau" a dar a dar, a gravata ao pescoço e o casaco e as calças debaixo do braço, depois de apanhar um valente cagaço quando estava no sofá com ela a tentar consumar um acto supostamente sexual por entre os ossos daquele cúmulo da magreza e deu por ele a satisfazer-se num funil que viera da cozinha sorrateiramente guiado pelo sobrenatural, ao mesmo tempo que uma espátula dos bolos caseiros lhe açoitava violentamente o traseiro sem que se visse mão alguma segurá-lo. 
O Anacleto, nome do amante da acima descrita era casado, mas a mulher estava há sete anos com um destrambelhamento nervoso tão grave que cada vez que o marido lhe tocava desatava em alta gritaria que despertava metade da Brandoa, onde vendia carros usados a imigrantes ilegais. Os veículos eram já tão gastos que uma vez levou uma facada de um ucraniano que ficou sentado na estrada quando o chão do podre do Opel Ascona cedeu numa curva à entrada de Odivelas e o pobre homem do Leste foi com o rabo a arrastar pelo alcatrão em mau estado mais de duzentos metros até embater na montra de uma agência funerária. Ficou internado dois meses no hospital a fazer transplantes sucessivos de carne das pernas para o traseiro para lhe recomporem minimamente o rabo. Pois então, o Anacleto saiu tão desvairado e aterrorizado do sinistro 10º andar que em vez de entrar no seu carro, um Hyundai  vermelho todo polido para disfarçar a mossas, meteu-se num outro veículo vermelho completamente diferente, um BMW Série 3 da mesma cor, caindo no colo da Guida do 1º andar que estava com a língua enfiada na boca do Acúrsio, um gabiru que falhou a carreira de profissional de futebol no Belenenses para se amancebar com uma mulata de Rio de Mouro. Meses depois, ela  correu com ele de casa porque o futebolista falhado tinha mais garganta que pedalada para a levar às nuvens. Como ele não queria sair lá do quentinho, nem a ajudava a pagar as contas, a mulata fez-lhe um caldo de galinha preta com um molho embruxado por umas rezas ensinadas por uma vizinha do Senegal, de onde fugira acusada de feitiçaria. O Acúrsio viu o Anacleto pelado em cima da sua paixão ocasional e enfiou-lhe com a chave de ignição pelo nariz acima.  Ele saiu a correr, a sagrar, nu, esqueceu o carro e só parou na estação ferroviária Queluz-Belas, onde seria detido por uma patrulha da PSP, que o levou para esquadra para investigar qual o motivo porque não vestia a roupa que trazia debaixo do braço. 
Nunca mais se viu ninguém estranho em casa da Adelina e constava que ela devia vários meses de atraso à senhoria, a Xana, uma espampanante loira de olhos verdes e bem apetrechada de corpo o suficiente para ir sacando uns andares a uns empreiteiros e patos-bravos em troca de umas voltas e reviravoltas nos colchões de água, a sua grande perdição,  além de andares, apartamentos e vivendas.  
Al Trokas, o sr. Santos e o sr. Costa sempre se deram muito bem com a Xana, mas não posso afirmar que também se envolveram com ela porque não tenho provas consistentes do que esses rebeldes anarcas andaram a fazer com a sedutora quarentona até altas horas da madrugada. 
Os três revolucionários olharam uns para os outros e segredaram algo de estranho, presumo que um plano diabólico que só poderia sair daquelas cabecinhas altamente perigosas. 
Nessa noite, juntos às enormes e deslumbrantes janelas do 10º andar panorâmico, à qual se podia aceder através do terraço, vislumbravam-se três vultos brancos, que arrastavam correntes e de uma fresta de um dos capuzes brancos via-se um pífaro do qual saiam uns sons prolongados e agudos.  Ao mesmo tempo observava-se através das vidraças a silhueta saltitante e nervosa da Adelina, com uma lanterna na mão. Muito esporadicamente, focava uma daquelas misteriosas figuras brancas. A mulher entrou em histeria quando por uma fresta da janela jorrou um jacto de sangue. Aí largou a lanterna, sumiu-se das vistas, e na manhã seguinte encontrava-se uma camioneta de mudanças estacionada frente à fachada do Lote 69. Durante horas, os elevadores transportaram haveres de toda a espécie do 10º andar para o veículo pesado. 
"Bom dia"-- saudou Al Trokas quando na tarde seguinte encontrou o sr. Santos na esplanada do Lelo -- dormiste bem?"
"Bom dia, dormi muito bem e tu?", respondeu o amigo, com um sorriso enigmático. 
"Já chegaram? -- era a voz (muito animada) do sr. Costa -- hoje madrugaram, ainda não são seis horas". Da tarde, claro ! Normalmente apareciam por ali às sete e não perguntem o que eles fazem até essa  hora porque nenhum deles se descose.
"Não te esqueceste de nada, Costa? -- perguntou asperamente Al Trokas. 
"Não, companheiro, trago aqui o saco com os lençóis para entregar à Dª Maria", retorquiu, franzindo a testa pensando no que teria deixado de fazer para lhe chamarem a atenção daquela maneira. 
"Bom dia, não te diz nada?" -- recordou-lhe o Al Trokas.
"Ah pá, desculpa, Bom dia!" (a senha de reconhecimento dos componentes do IRRA), disse rapidamente o sr. Costa. 
"Bom dia" (contra-senha), retribuíram os amigos. 
"Está tudo a correr bem, tu trouxeste os lençóis brancos que a Dª Maria nos emprestou, eu tenho aqui as correntes dos cães da Patrícia para lhe devolver e tu, Santos, o pífaro do sr. Telmo, não te esqueceste, pois não?", interrogou Al Trokas"
"Não me esqueci nada, está aqui o pífaro embrulhado no "Record", Trokas", informou o sr. Santos. 
O Lelo veio à porta limpando as mãos ao avental gorduroso e perguntou-lhes: 
"Então, seus velhos do caraças, conseguiram fazer o arroz de cabidela com o sangue que lhes dei ontem?".
"Ó, tangas, ficou melhor do que feito por ti, explorador da fome alheia", disse-lhe o Al Trokas, divertido. 
Todos se calaram quando um imponente Lexus azul escuro parou em frente e saiu dele uma voluptuosa loira curvilínea. Era a Xana. Trazia uma chaves na mão. Beijou os três amigos do IRRA e depois colocou umas  chaves na mão do Al Trokas. 
"Meu querido, agora és o responsável pelo 10º andar". 
O IRRA dispunha da sua sede. 
Lençóis? Correntes de trelas para cão? Pífaro? Sangue de cabidela? 
Será que os três malandros do IRRA tiveram algo a ver com a fuga precipitada da Adelina? 
Nunca o saberemos...O IRRA é um túmulo cheio de segredos fantásticos.